IMPORTANCIA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I
1. CONCEITO E
IMPORTANCIA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Em objetiva definição trata-se do conjunto de
normas e princípios jurídicos reguladores das relações patrimoniais entre um
credor (sujeito ativo) e um devedor (sujeito Passivo), uma prestação de dar,
fazer ou não fazer.
2.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Aristóteles dividiu as relações obrigatórias em dois tipos, voluntárias
(decorrentes de um acordo entre as partes) e as involuntárias (resultantes de
um fato do qual nasce uma obrigação), subdividindo em outros dois subtipos,
sendo utilizado como parâmetro o ato ilícito era cometido ás escondidas ou se
era praticado com violência.
Direito Romano, não se conhecia a expressão obrigação, mas o seu equivalente
histórico teria sido a figura do nexum (espécie
de empréstimo), que conferia ao credor o poder de exigir do devedor o
cumprimento de determinada prestação, sob pena de responder com seu próprio
corpo, podendo ser reduzido, inclusive, à condição de escravo, o que se
realizava por meio da actio per manus iniectionem (ação ao qual o
credor poderia vender o devedor como escravo, além do Rio Tibre).
Do ponto de vista formal, o grande diferencial do
conceito moderno de obrigação para seus antecedentes históricos está no seu
conteúdo econômico, deslocando-se a sua garantia da pessoa do devedor para o
patrimônio. Tal mudança valoriza a dignidade humana ao mesmo tempo em que
retira a importância central da obrigação do indivíduo no polo passivo, o que
possibilitou, inclusive, a transmissibilidade das obrigações, não admitida
entre os romanos.
O código de Napoleão, de 1804 – que, até hoje, é o
Código Civil francês, - consagrou expressamente tal conquista do Direito
Romano, prevendo, em seu art. 2.093, dentre outras disposições, que os bens do devedor são garantia comum de
seus credores (“les biens du débiteur sont le gage comum de ses creanciers”). Regra
não utilizada pelo direito positivado, mas utilizado para toda construção
teórica do Direito das Obrigações, inclusive o brasileiro.
3. ÂMBITO DO
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
A relação jurídica obrigacional não é integrada por
qualquer espécie de direito subjetivo. Somente aqueles de conteúdo econômico
(direito de crédito), passíveis de circulação jurídica, poderão participar de relações obrigacionais, o que descarta,
de plano, os direitos da personalidade.
Nesse sentido o direito de crédito, a que
corresponde o dever de prestar, é de
natureza essencialmente pessoal, não se confundindo, portanto, com os direitos
reais em geral.
Assim se dois sujeitos celebram um contrato, por
força do qual um dos contraentes passa a ser credor do outro deve-se salientar
que, em verdade, o contraente credor passou a ser, em virtude do negócio
jurídico, titular de um direito pessoal
exercitável contra o devedor, a
quem se impõe o dever de prestar crédito formado. O credor não tem poderes de
proprietário em relação à coisa ou à
atividade objeto da prestação. Não exerce, pois, poder real sobre a
atividade do devedor, nem, muito menos, sobre a sua pessoa. Trata-se, portanto,
de um direito eminentemente pessoal, cuja correlata obrigação (dever de prestar
é a própria atividade do devedor de dar,
fazer ou não fazer).
De tal forma, quando por força de um contrato de
prestação de serviços, o sujeito realiza a atividade contratada, tornando-se
credor da quantia de 100, esse direito não traduz um poder real incidente sobre
a quantia em si (100), mas, sim, a pretensão, juridicamente tutelada, de se
exigir, inclusive pela via judicial, o cumprimento
da prestação devida pelo devedor.
De acordo com JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA,
conclui-se que o cumprimento da prestação
(atividade do devedor), e não a coisa em si (o dinheiro, o imóvel etc.),
constitui o objeto imediato da obrigação, e, por conseguinte, do próprio
direito de crédito.
Assim é corretor dizer que, enquanto os direitos reais são tratados pelo direito das Coisas, os
direitos de crédito (pessoais) integram o estudo do Direito das Obrigações,
objeto do presente tomo.
4.
DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS ENTRE DIREITOS PESSOAIS E
REAIS
LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, adverte que o “direito
real, é aquele que afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos
respeitos, e a segue em poder de quem quer que a detenha. O direito pessoal é o
direito contra determinada pessoa”.
Observa-se, portanto, que real é o direito que traduz o poder jurídico direto de uma pessoa
sobre uma coisa, submetendo-a em todos (propriedade) ou alguns aspectos
(usufruto, servidão). Para o seu exercício, prescinde-se de outro sujeito.
Para os direitos reais, o sujeito passivo e a sua
correspondente obrigação somente surgem quando houver a efetiva violação ou
ameaça concreta de lesão (ex.: o esbulho de minha propriedade, a séria ameaça
de invasão). Nesses casos, surge para o infrator o dever de restabelecer o status quo ante, ou, não tendo havido efetiva lesão, abster-se da prática
de qualquer ato danoso, sob pena de ser civilmente responsabilizado.
Nesse diapasão, com fundamento na doutrina do
genial ARRUDA ALVIM, poderíamos enumerar as seguintes características dos
direitos reais, para distingui-los dos direitos de natureza pessoal:
a) Legalidade ou tipicidade – os direitos reais
somente existem se a respectiva figura estiver prevista em lei (art. 1.225 do
CC-02);
b) Taxatividade – a enumeração legal dos direitos
reais é taxativa (numerus clausus),
ou seja, não admite ampliação pela simples vontade das partes;
c) Publicidade – primordialmente para os bens imóveis,
por se submeterem a um sistema formal de registro, que lhes imprime essa
característica;
d) Eficácia erga
omnes – os direitos reais são oponíveis a todas as pessoas,
indistintamente. Consoante vimos acima, essa características não impede, em uma
perspectiva mais imediata,
reconhecimento da relação jurídica real entre um homem e uma coisa.
Ressalte-se, outrossim, que essa eficácia erga
omnes deve ser entendida com ressalva, apenas no aspecto de sua
oponibilidade, uma vez que o exercício do direito real – até mesmo o de
propriedade, mais abrangente de todos – deverá ser sempre condicionado
(relativizado) pela ordem jurídica positiva e pelo interesse social, uma vez
que não vivemos mais a era da ditadura
dos direitos;
e) Inerência ou aderência – o direito real adere à
coisa, acompanhando-a em toas as suas mutações. Essa característica é nítida
nos direitos reais em garantia (penhor, anticrese, hipoteca), uma vez que o
credor (pignoratício, anticrético, hipotecário), gozando de um direito real
vinculado (aderido) à coisa, prefere outros credores desprovidos dessa
prerrogativa;
f) Seqüela – como consequência da característica
anterior, o titular de um direito real poderá perseguir a coisa afetada, para
busca-la onde se encontre, e em mãos de quem quer que seja. É aspecto privativo dos direitos reais, não tendo o direito de sequela o titular de
direitos pessoais ou obrigacionais.
Os direitos pessoais, por sua vez, identificados
com os direitos de crédito (de conteúdo
patrimonial), têm por objeto a atividade
do devedor, contra o qual são exercidos. Assim, ao transferir a propriedade
da coisa vendida, o vendedor passa a ter
o direito pessoal de crédito contra o comprador (devedor), a quem incumbe cumprir a prestação de dar a quantia
pactuada (dinheiro). Note-se, outrossim, que o objeto do crédito (ou, sob o
aspecto passivo, da obrigação) é a própria atividade
do devedor.
Nesse sentido, fica fácil notar que ao
Direito das Obrigações interessa apenas o estudo das relações jurídicas obrigacionais (pessoais) entre um credor (titular
do direito de crédito) e um devedor (incumbido do dever de prestar),
deixando-se para o Direito das coisas as relações e direitos de natureza real
Relação Jurídica Obrigacional:
Sujeito Ativo (credor) – relação
jurídica obrigacional Sujeito Passivo (devedor)
(crédito)
(débito)
Relação Jurídica Real:
Titular do Direito Real – relação jurídica real – Bem/Coisa
4.1 Figuras híbridas entre Direitos Pessoais e Reais
Ao contrário das obrigações em geral, que se
referem ao indivíduo que as contraiu, as obrigações propter rem se transmitem
automaticamente para o novo titular da coisa a que se relacionam.
É o caso, por exemplo, da obrigação do condômino de
contribuir para a conservação da coisa comum (art. 1.315 do CC-02) ou a dos
vizinhos de proceder à demarcação das divisas de seus prédios (art. 1297 do
CC-02), em que a obrigação decorre do direito real, transmitindo-se com a
transferência da titularidade do bem. Também era hipótese prevista no CC-16
art. 678, (sem correspondência no CC-02), da obrigação do enfiteuta de pagar o
foro.
Por outro lado, muitas vezes confundido com tais
obrigações mistas é o instituto da renda
constituída sobre o imóvel, que, como direito real na coisa alheia prevista
somente no CC-16 (arts. 749 e 754), é, em verdade, uma limitação da fruição e
disposição da propriedade, com oponibilidade erga omnes.
Por fim, distinga-se a obrigação propter rem das obrigações com eficácia real. Nestas, sem perder seu caráter de
direito a uma prestação, há a possibilidade de oponibilidade a terceiros,
quando houver anotação preventiva no registro imobiliário, como, por exemplo,
nos caos de locação e compromisso de venda, como dispõe o art. 8º da lei n.
8.245/91.
5.
CONSIDERAÇÕES TERMINOLÓGICAS
Obrigação,
segundo difundida definição, significa a própria relação jurídica pessoal que
vincula duas pessoas, credor e devedor, em razão da qual uma fica “obrigada” a
cumprir uma prestação patrimonial de interesse da outra.
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO: “A obrigação é a
relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor,
e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa,
devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu
patrimônio”.
Nessa fase de criação de um conceito mais técnico
de obrigação, não podemos esquecer do seu caráter transitório (repudia ao
Direito moderno a ideia de uma obrigação perpétua, pois isso corresponderia à ideia
de servidão humana), bem como do seu conteúdo econômico, esclarecendo-se que a
menção à prestação positiva ou negativa se refere à modalidade de prestação
(fazer/dar ou não fazer).
JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA: amplia o conceito de
obrigação “considerando-a, mais do que uma relação jurídica obrigacional, um
verdadeiro processo conducente à
satisfação do interesse do credor”.
Acredita o autor que o termo obrigação para
referirmos á própria relação jurídica
obrigacional vinculativa do credor e do devedor, sem que se possa apontar
atecnia na adoção da palavra para significar apenas o dever de prestar, por se trata de expressão plurissignificativa.
6. CONCEITOS CORRELATOS
Não se deve confundir, ainda, obrigado (debitum) e responsabilidade (obligatio), por somente se
configurar esta última quando a prestação pactuada não é adimplida pelo
devedor. A primeira corresponde, em sentido estrito, ao dever do sujeito
passivo de satisfazer a prestação positiva ou negativa em beneficio do credor,
enquanto a outra se refere à autorização, dada pela lei, ao credor que não foi
satisfeito, de acionar o devedor, alcançando seu patrimônio, que responderá
pela prestação.
Em geral, toda obrigação descumprida permite a responsabilização
patrimonial do devedor, não obstante existam obrigações sem responsabilidade
(obrigações naturais – debitum sem
obligatio), como as dívidas de jogo e as pretensões prescritas. Por outro
lado, poderá haver responsabilidade sem obrigação (obligatio sem debitum), a exemplo do que ocorre com o fiador, que
poderá ser responsabilizado pelo inadimplemento de devedor, sem que a obrigação
seja sua.
O estado de sujeição consiste na situação da pessoa
que tem de suportar sem que nada possa fazer, na sua própria esfera jurídica, o poder jurídico conferido a outra pessoa,
que deverá suportá-lo resignadamente (ex.: o locador, no contrato por tempo
indeterminado, denuncia o negócio jurídico, resilindo-o, sem que o locatário
nada possa fazer). Esse estado de sujeição, por tudo que se disse, não traduz
uma relação jurídica obrigacional, por ser inexistente o dever de prestar.
O ônus
jurídico, por sua vez, caracteriza-se pelo comportamento que a pessoa deve
observar, com o propósito de obter um beneficio maior. O onerado, pois, suporta
um prejuízo em troca de uma vantagem. É o caso do donatário, beneficiado por
uma fazenda, a quem se impõe, por exemplo, o pagamento de uma pensão mensal
vitalícia à tia idosa do doador (doação com encargo). Não se trata, pois, de um
dever de prestar, correlato à satisfação de um crédito, mas, sim de um encargo
que deve ser cumprido em prol de uma vantagem consideravelmente maior. O ônus
não é imposto por lei, e só se torna exigível se o onerado aceita a estipulação
contratual.
7.
O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
No que tange especificamente ao Direito das
Obrigações no Código Civil de 2002, poderíamos apontar algumas características
relevantes;
a) conservação da sistemática tradicional das
modalidades de obrigações deixando-se de referir, por ser labor da doutrina, o
problema das fontes das obrigações;
b) aceitação da revalorização da moeda nas dividas de
valor;
c) no campo da responsabilidade civil, matéria que
mereceu tratamento em titulo próprio (Titulo IX), consagrou-se a responsabilidade
objetiva, além do expresso reconhecimento do dano moral;
d) alteração da medida determinativa da indenização,
relativizando-se o critério da extensão do dano, ao se permitir a redução do “quantum” indenizatório, a critério do
juiz, e por equidade, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da
culpa e o dano (art. 944, parágrafo único).
Bibliografia
GANGLIANO, Pablo Stolze; NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL, VOL. II: Obrigações, 9. Ed. Ver. e
atual.- São Paulo: Saraiva. 2008.
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