IMPORTANCIA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I

, por Sérgio Pasqualli


  1. CONCEITO E IMPORTANCIA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Em objetiva definição trata-se do conjunto de normas e princípios jurídicos reguladores das relações patrimoniais entre um credor (sujeito ativo) e um devedor (sujeito Passivo), uma prestação de dar, fazer ou não fazer.

2.     EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Aristóteles dividiu as relações obrigatórias em dois tipos, voluntárias (decorrentes de um acordo entre as partes) e as involuntárias (resultantes de um fato do qual nasce uma obrigação), subdividindo em outros dois subtipos, sendo utilizado como parâmetro o ato ilícito era cometido ás escondidas ou se era praticado com violência.
Direito Romano, não se conhecia a expressão obrigação, mas o seu equivalente histórico teria sido a figura do nexum (espécie de empréstimo), que conferia ao credor o poder de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação, sob pena de responder com seu próprio corpo, podendo ser reduzido, inclusive, à condição de escravo, o que se realizava por meio da actio per manus iniectionem (ação ao qual o credor poderia vender o devedor como escravo, além do Rio Tibre).
Do ponto de vista formal, o grande diferencial do conceito moderno de obrigação para seus antecedentes históricos está no seu conteúdo econômico, deslocando-se a sua garantia da pessoa do devedor para o patrimônio. Tal mudança valoriza a dignidade humana ao mesmo tempo em que retira a importância central da obrigação do indivíduo no polo passivo, o que possibilitou, inclusive, a transmissibilidade das obrigações, não admitida entre os romanos.
O código de Napoleão, de 1804 – que, até hoje, é o Código Civil francês, - consagrou expressamente tal conquista do Direito Romano, prevendo, em seu art. 2.093, dentre outras disposições, que os bens do devedor são garantia comum de seus credores (“les biens du débiteur sont le gage comum de ses creanciers”). Regra não utilizada pelo direito positivado, mas utilizado para toda construção teórica do Direito das Obrigações, inclusive o brasileiro.

3.     ÂMBITO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

A relação jurídica obrigacional não é integrada por qualquer espécie de direito subjetivo. Somente aqueles de conteúdo econômico (direito de crédito), passíveis de circulação jurídica, poderão participar de relações obrigacionais, o que descarta, de plano, os direitos da personalidade.
Nesse sentido o direito de crédito, a que corresponde o dever de prestar, é de natureza essencialmente pessoal, não se confundindo, portanto, com os direitos reais em geral.
Assim se dois sujeitos celebram um contrato, por força do qual um dos contraentes passa a ser credor do outro deve-se salientar que, em verdade, o contraente credor passou a ser, em virtude do negócio jurídico, titular de um direito pessoal exercitável contra o devedor, a quem se impõe o dever de prestar crédito formado. O credor não tem poderes de proprietário em relação à coisa ou à atividade objeto da prestação. Não exerce, pois, poder real sobre a atividade do devedor, nem, muito menos, sobre a sua pessoa. Trata-se, portanto, de um direito eminentemente pessoal, cuja correlata obrigação (dever de prestar é a própria atividade do devedor de dar, fazer ou não fazer).
De tal forma, quando por força de um contrato de prestação de serviços, o sujeito realiza a atividade contratada, tornando-se credor da quantia de 100, esse direito não traduz um poder real incidente sobre a quantia em si (100), mas, sim, a pretensão, juridicamente tutelada, de se exigir, inclusive pela via judicial, o cumprimento da prestação devida pelo devedor.
De acordo com JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, conclui-se que o cumprimento da prestação (atividade do devedor), e não a coisa em si (o dinheiro, o imóvel etc.), constitui o objeto imediato da obrigação, e, por conseguinte, do próprio direito de crédito.
Assim é corretor dizer que, enquanto os direitos reais são tratados pelo direito das Coisas, os direitos de crédito (pessoais) integram o estudo do Direito das Obrigações, objeto do presente tomo.

4.     DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS ENTRE DIREITOS PESSOAIS E REAIS

LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, adverte que o “direito real, é aquele que afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos, e a segue em poder de quem quer que a detenha. O direito pessoal é o direito contra determinada pessoa”.
Observa-se, portanto, que real é o direito que traduz o poder jurídico direto de uma pessoa sobre uma coisa, submetendo-a em todos (propriedade) ou alguns aspectos (usufruto, servidão). Para o seu exercício, prescinde-se de outro sujeito.
Para os direitos reais, o sujeito passivo e a sua correspondente obrigação somente surgem quando houver a efetiva violação ou ameaça concreta de lesão (ex.: o esbulho de minha propriedade, a séria ameaça de invasão). Nesses casos, surge para o infrator o dever de restabelecer o status quo ante, ou, não tendo havido efetiva lesão, abster-se da prática de qualquer ato danoso, sob pena de ser civilmente responsabilizado.
Nesse diapasão, com fundamento na doutrina do genial ARRUDA ALVIM, poderíamos enumerar as seguintes características dos direitos reais, para distingui-los dos direitos de natureza pessoal:
a)     Legalidade ou tipicidade – os direitos reais somente existem se a respectiva figura estiver prevista em lei (art. 1.225 do CC-02);
b)    Taxatividade – a enumeração legal dos direitos reais é taxativa (numerus clausus), ou seja, não admite ampliação pela simples vontade das partes;
c)     Publicidade – primordialmente para os bens imóveis, por se submeterem a um sistema formal de registro, que lhes imprime essa característica;
d)    Eficácia erga omnes – os direitos reais são oponíveis a todas as pessoas, indistintamente. Consoante vimos acima, essa características não impede, em uma perspectiva mais imediata,  reconhecimento da relação jurídica real entre um homem e uma coisa. Ressalte-se, outrossim, que essa eficácia erga omnes deve ser entendida com ressalva, apenas no aspecto de sua oponibilidade, uma vez que o exercício do direito real – até mesmo o de propriedade, mais abrangente de todos – deverá ser sempre condicionado (relativizado) pela ordem jurídica positiva e pelo interesse social, uma vez que não vivemos mais a era da ditadura dos direitos;
e)     Inerência ou aderência – o direito real adere à coisa, acompanhando-a em toas as suas mutações. Essa característica é nítida nos direitos reais em garantia (penhor, anticrese, hipoteca), uma vez que o credor (pignoratício, anticrético, hipotecário), gozando de um direito real vinculado (aderido) à coisa, prefere outros credores desprovidos dessa prerrogativa;
f)      Seqüela – como consequência da característica anterior, o titular de um direito real poderá perseguir a coisa afetada, para busca-la onde se encontre, e em mãos de quem quer que seja. É aspecto privativo dos direitos reais,  não tendo o direito de sequela o titular de direitos pessoais ou obrigacionais.
Os direitos pessoais, por sua vez, identificados com os direitos de crédito (de conteúdo patrimonial), têm por objeto a atividade do devedor, contra o qual são exercidos. Assim, ao transferir a propriedade da coisa vendida, o vendedor passa a ter o direito pessoal de crédito contra o comprador (devedor), a quem incumbe cumprir a prestação de dar a quantia pactuada (dinheiro). Note-se, outrossim, que o objeto do crédito (ou, sob o aspecto passivo, da obrigação) é a própria atividade do devedor.
         Nesse sentido, fica fácil notar que ao Direito das Obrigações interessa apenas o estudo das relações jurídicas obrigacionais (pessoais) entre um credor (titular do direito de crédito) e um devedor (incumbido do dever de prestar), deixando-se para o Direito das coisas as relações e direitos de natureza real

Relação Jurídica Obrigacional:
Sujeito Ativo (credor) – relação jurídica obrigacional Sujeito Passivo (devedor)
      (crédito)                                                                                      (débito)

Relação Jurídica Real:
Titular do Direito Real – relação jurídica real – Bem/Coisa






4.1 Figuras híbridas entre Direitos Pessoais e Reais
Ao contrário das obrigações em geral, que se referem ao indivíduo que as contraiu, as obrigações propter rem  se transmitem automaticamente para o novo titular da coisa a que se relacionam.
É o caso, por exemplo, da obrigação do condômino de contribuir para a conservação da coisa comum (art. 1.315 do CC-02) ou a dos vizinhos de proceder à demarcação das divisas de seus prédios (art. 1297 do CC-02), em que a obrigação decorre do direito real, transmitindo-se com a transferência da titularidade do bem. Também era hipótese prevista no CC-16 art. 678, (sem correspondência no CC-02), da obrigação do enfiteuta de pagar o foro.
Por outro lado, muitas vezes confundido com tais obrigações mistas é o instituto da renda constituída sobre o imóvel, que, como direito real na coisa alheia prevista somente no CC-16 (arts. 749 e 754), é, em verdade, uma limitação da fruição e disposição da propriedade, com oponibilidade erga omnes.
Por fim, distinga-se a obrigação propter rem das obrigações com eficácia real. Nestas, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, há a possibilidade de oponibilidade a terceiros, quando houver anotação preventiva no registro imobiliário, como, por exemplo, nos caos de locação e compromisso de venda, como dispõe o art. 8º da lei n. 8.245/91.

5.     CONSIDERAÇÕES TERMINOLÓGICAS

Obrigação, segundo difundida definição, significa a própria relação jurídica pessoal que vincula duas pessoas, credor e devedor, em razão da qual uma fica “obrigada” a cumprir uma prestação patrimonial de interesse da outra.
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO: “A obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”.
Nessa fase de criação de um conceito mais técnico de obrigação, não podemos esquecer do seu caráter transitório (repudia ao Direito moderno a ideia de uma obrigação perpétua, pois isso corresponderia à ideia de servidão humana), bem como do seu conteúdo econômico, esclarecendo-se que a menção à prestação positiva ou negativa se refere à modalidade de prestação (fazer/dar ou não fazer).
JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA: amplia o conceito de obrigação “considerando-a, mais do que uma relação jurídica obrigacional, um verdadeiro processo conducente à satisfação do interesse do credor”.
Acredita o autor que o termo obrigação para referirmos á própria relação jurídica obrigacional vinculativa do credor e do devedor, sem que se possa apontar atecnia na adoção da palavra para significar apenas o dever de prestar, por se trata de expressão plurissignificativa.

6.      CONCEITOS CORRELATOS

Não se deve confundir, ainda, obrigado (debitum) e responsabilidade (obligatio), por somente se configurar esta última quando a prestação pactuada não é adimplida pelo devedor. A primeira corresponde, em sentido estrito, ao dever do sujeito passivo de satisfazer a prestação positiva ou negativa em beneficio do credor, enquanto a outra se refere à autorização, dada pela lei, ao credor que não foi satisfeito, de acionar o devedor, alcançando seu patrimônio, que responderá pela prestação.
Em geral, toda obrigação descumprida permite a responsabilização patrimonial do devedor, não obstante existam obrigações sem responsabilidade (obrigações naturais – debitum sem obligatio), como as dívidas de jogo e as pretensões prescritas. Por outro lado, poderá haver responsabilidade sem obrigação (obligatio sem debitum), a exemplo do que ocorre com o fiador, que poderá ser responsabilizado pelo inadimplemento de devedor, sem que a obrigação seja sua.
O estado de sujeição consiste na situação da pessoa que tem de suportar sem que nada possa fazer, na sua própria esfera jurídica, o poder jurídico conferido a outra pessoa, que deverá suportá-lo resignadamente (ex.: o locador, no contrato por tempo indeterminado, denuncia o negócio jurídico, resilindo-o, sem que o locatário nada possa fazer). Esse estado de sujeição, por tudo que se disse, não traduz uma relação jurídica obrigacional, por ser inexistente o dever de prestar.
O ônus jurídico, por sua vez, caracteriza-se pelo comportamento que a pessoa deve observar, com o propósito de obter um beneficio maior. O onerado, pois, suporta um prejuízo em troca de uma vantagem. É o caso do donatário, beneficiado por uma fazenda, a quem se impõe, por exemplo, o pagamento de uma pensão mensal vitalícia à tia idosa do doador (doação com encargo). Não se trata, pois, de um dever de prestar, correlato à satisfação de um crédito, mas, sim de um encargo que deve ser cumprido em prol de uma vantagem consideravelmente maior. O ônus não é imposto por lei, e só se torna exigível se o onerado aceita a estipulação contratual.

7.     O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

No que tange especificamente ao Direito das Obrigações no Código Civil de 2002, poderíamos apontar algumas características relevantes;
a)     conservação da sistemática tradicional das modalidades de obrigações deixando-se de referir, por ser labor da doutrina, o problema das fontes das obrigações;
b)    aceitação da revalorização da moeda nas dividas de valor;
c)     no campo da responsabilidade civil, matéria que mereceu tratamento em titulo próprio (Titulo IX), consagrou-se a responsabilidade objetiva, além do expresso reconhecimento do dano moral;
d)    alteração da medida determinativa da indenização, relativizando-se o critério da extensão do dano, ao se permitir a redução do “quantum” indenizatório, a critério do juiz, e por equidade, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano (art. 944, parágrafo único).



Bibliografia
GANGLIANO, Pablo Stolze; NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL, VOL. II: Obrigações, 9. Ed. Ver. e atual.­- São Paulo: Saraiva. 2008.

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