O apelido mortal (Julgamento do "Zé Zambeta")
No Ceará existia um advogado muito famoso pela sua
inteligência e suas "tiradas" maravilhosas - o querido Quintino Cunha.
Ele foi levado a defender um pobre coitado - o Zé Zambeta -
que perambulava pelas ruas e fora acusado de matar (como realmente matou) um
desafeto porque este vivia chamando-o pelo apelido, que ele detestava
Zé Zambeta era chegado à cachaça. Certo dia - após anos e
anos de ser chamado justamente de Zé Zambeta - ele não mais agüentou e,
juntando o efeito da "branquinha" com a falta de paciência por tanto
tempo de apelido, matou a "peixeiradas" o infeliz que o estava
gozando.
Chegou o dia do julgamento e, no júri, a vez do advogado de
defesa. Quintino Cunha começou:
- Meretíssimo
senhor juiz, excelentíssimo senhor promotor de justiça, excelentíssimo senhor
advogado de acusação, digníssimos senhores que compõem o corpo de jurados, meus
respeitáveis senhores, minhas respeitáveis senhoras.
Fez uma pausa de alguns segundos e repetiu:
- Meretíssimo
senhor juiz, excelentíssimo senhor promotor de justiça, excelentíssimo senhor
advogado de acusação, digníssimos senhores que compõem o corpo de jurados, meus
respeitáveis senhores, minhas respeitáveis senhoras.
Fez outra pausa de alguns segundos e repetiu a mesma trela.
Idêntica, sequencial e decorada.
E assim foi repetindo. Quando chegou na oitava ou décima
repetição, o juiz - com total impaciência e já vermelho de quase cólera -
advertiu:
- Basta! Basta,
senhor advogado! Não vejo explicação e qualquer sentido nesse seu
comportamento. Noto um inteiro desrespeito a este tribunal popular. O senhor
está aqui para defender o réu e não ficar com essa atitude inadequada e
incompatível a uma pessoa que deve praticar a tão bela ciência do Direito.
Houve um silêncio sepulcral de alguns segundos - mas o
magistrado volta à carga:
- Caso o senhor
persista nessa insolência, serei obrigado a destituí-lo como advogado de defesa
e até mesmo dar-lhe voz de prisão por desacato e desrespeito à corte.
Então, o Dr. Quintino - acedendo com um maneio da cabeça -
pontuou:
- Estão vendo,
senhores aqui presentes? Somente porque repeti umas poucas vezes um mesmo
bordão -, por sinal, tratando com o maior respeito a todos que aqui nos honram
com suas presenças. Admito que o meretíssimo senhor juiz, com toda a razão,
protestou contra meu comportamento e, de forma apoplética, ameaçou-me até com
prisão, caso eu não mudasse essa minha atitude.
O Dr. Quintino puxou fôlego e ante a geral perplexidade,
prosseguiu:
- Portanto,
imaginem bem! Um senhor formado em Ciências Jurídicas e Sociais, que alcançou o
mais alto posto dentro do nosso sistema aplicador da lei, e que mais do que
qualquer outra pessoa tem obrigação de se manter dentro de um equilíbrio, foi
às turras devido apenas a umas poucas repetições do meu introdutório à defesa.
Imaginem, comparativamente, como poderia reagir um senhor ignorante das letras,
que vive à margem da sociedade, com vícios terríveis de comportamento e que,
durante anos e anos, foi admoestado pela vítima de forma sempre grosseira e
jocosa, com um apelido que todos nós que moramos nesta cidade sabíamos e
sabemos da ojeriza que o mesmo tinha a essa alcunha...
Incrédulos, juiz, promotor, jurados, servidores se
entreolhavam. Então, o Dr. Quintino fez o apoteótico arremate:
- O desfecho
terrível era inevitável! Um morto e outro encarcerado! Uma família chorando um
cadáver e outra chorando... uma morte. Ah, desculpem-me, não existe outra
família, a sustentar o pobre réu. Tenho dito.
O Zé Zambeta foi absolvido.
Por Franklin José Oliveira Alves, economista.
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