O apelido mortal (Julgamento do "Zé Zambeta")

, por Paulo Avelar

No Ceará existia um advogado muito famoso pela sua inteligência e suas "tiradas" maravilhosas - o querido Quintino Cunha.

Ele foi levado a defender um pobre coitado - o Zé Zambeta - que perambulava pelas ruas e fora acusado de matar (como realmente matou) um desafeto porque este vivia chamando-o pelo apelido, que ele detestava

Zé Zambeta era chegado à cachaça. Certo dia - após anos e anos de ser chamado justamente de Zé Zambeta - ele não mais agüentou e, juntando o efeito da "branquinha" com a falta de paciência por tanto tempo de apelido, matou a "peixeiradas" o infeliz que o estava gozando.

Chegou o dia do julgamento e, no júri, a vez do advogado de defesa. Quintino Cunha começou:

- Meretíssimo senhor juiz, excelentíssimo senhor promotor de justiça, excelentíssimo senhor advogado de acusação, digníssimos senhores que compõem o corpo de jurados, meus respeitáveis senhores, minhas respeitáveis senhoras.

Fez uma pausa de alguns segundos e repetiu:

- Meretíssimo senhor juiz, excelentíssimo senhor promotor de justiça, excelentíssimo senhor advogado de acusação, digníssimos senhores que compõem o corpo de jurados, meus respeitáveis senhores, minhas respeitáveis senhoras.

Fez outra pausa de alguns segundos e repetiu a mesma trela. Idêntica, sequencial e decorada.

E assim foi repetindo. Quando chegou na oitava ou décima repetição, o juiz - com total impaciência e já vermelho de quase cólera - advertiu:

- Basta! Basta, senhor advogado! Não vejo explicação e qualquer sentido nesse seu comportamento. Noto um inteiro desrespeito a este tribunal popular. O senhor está aqui para defender o réu e não ficar com essa atitude inadequada e incompatível a uma pessoa que deve praticar a tão bela ciência do Direito.

Houve um silêncio sepulcral de alguns segundos - mas o magistrado volta à carga:

- Caso o senhor persista nessa insolência, serei obrigado a destituí-lo como advogado de defesa e até mesmo dar-lhe voz de prisão por desacato e desrespeito à corte.

Então, o Dr. Quintino - acedendo com um maneio da cabeça - pontuou:

- Estão vendo, senhores aqui presentes? Somente porque repeti umas poucas vezes um mesmo bordão -, por sinal, tratando com o maior respeito a todos que aqui nos honram com suas presenças. Admito que o meretíssimo senhor juiz, com toda a razão, protestou contra meu comportamento e, de forma apoplética, ameaçou-me até com prisão, caso eu não mudasse essa minha atitude.

O Dr. Quintino puxou fôlego e ante a geral perplexidade, prosseguiu:

- Portanto, imaginem bem! Um senhor formado em Ciências Jurídicas e Sociais, que alcançou o mais alto posto dentro do nosso sistema aplicador da lei, e que mais do que qualquer outra pessoa tem obrigação de se manter dentro de um equilíbrio, foi às turras devido apenas a umas poucas repetições do meu introdutório à defesa. Imaginem, comparativamente, como poderia reagir um senhor ignorante das letras, que vive à margem da sociedade, com vícios terríveis de comportamento e que, durante anos e anos, foi admoestado pela vítima de forma sempre grosseira e jocosa, com um apelido que todos nós que moramos nesta cidade sabíamos e sabemos da ojeriza que o mesmo tinha a essa alcunha...

Incrédulos, juiz, promotor, jurados, servidores se entreolhavam. Então, o Dr. Quintino fez o apoteótico arremate:

- O desfecho terrível era inevitável! Um morto e outro encarcerado! Uma família chorando um cadáver e outra chorando... uma morte. Ah, desculpem-me, não existe outra família, a sustentar o pobre réu. Tenho dito.

O Zé Zambeta foi absolvido.

Por Franklin José Oliveira Alves, economista.

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