CLASSIFICAÇÃO BÁSICA V

, por Sérgio Pasqualli



       1.1 Obrigações de dar.

As obrigações de dar, que têm por objeto prestações de coisa, consistem na atividade de dar (transferindo-se a propriedade da coisa), entregar (transferindo-se a posse ou a detenção da coisa) ou restituir (quando o credor recupera a posse ou a detenção da coisa entregue ao devedor).

2.1.1 Obrigações de dar coisa certa

Nesta modalidade de obrigação, o devedor obriga-se a dar, entregar ou restituir coisa específica, certa, determinada. E se assim, o credor não está obrigado a receber outra coisa senão aquela descrita  no título da obrigação.
Art 313 do CC-02: “o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”.
Aplica-se, também, para as obrigações de dar coisa certa, o princípio jurídico de que o acessório segue o principal (acessorium sequitum principale). Dessa forma, não resultando o contrário do título ou das circunstâncias do caso, o devedor não poderá se negar a dar ao credor aqueles bens que, sem integrar a coisa principal, secundam-na por acessoriedade (art. 233 CC-02). Ex: obrigando-se a transferir a propriedade da casa (imóvel por acessão artificial), estarão incluídas as benfeitorias realizadas (acessórias da coisa principal), se o contrário não resultar do contrato ou das próprias circunstâncias.
Em caso de perda ou perecimento (prejuízo total), duas situações diversa, todavia, podem ocorrer:
a)     Se a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição (da entrega da coisa), ou pendente condição suspensiva ( o negócio encontra-se se subordinado a um acontecimento futuro e incerto: o casamento do devedor, por exemplo), fica resolvida a obrigação para ambas as partes, suportando o prejuízo o proprietário da coisa que ainda não a havia alienado (art. 234 parte inicial, do CC-02);
b)    Se se a coisa se perder, por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente (valor da coisa), mais perdas e danos (art. 234, parte final, do CC-02). Neste caso, suportará a perda o causador do dano, já que terá de indenizar a outra parte. Imagine a hipótese de o devedor, por culpa ou dolo haver destruído o bem que devia restituir.
Em caso de deterioração (prejuízo parcial), também duas hipóteses são previstas em lei:
a)     Se a coisa se deteriora sem culpa do devedor, poderá o credor, a seu critério, resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu (art. 235 do CC-02).
b)    Se a coisa se deteriora por culpa do devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado ou se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, a indenização pelas perdas e danos (art. 236 do CC-02).
As obrigações de restituir;
Conforme já foi dito, nesta modalidade de obrigação a prestação consiste na devolução da coisa recebida pelo devedor, a exemplo daquela imposta ao depositário (devedor), que deve restituir ao depositante (credor) aquilo que recebeu para guardar e conservar. Na mesma situação encontram-se o locatário e o comodatário, que devem restituir ao locador e ao comodante, respectivamente, a coisa recebida. Em todos os casos a coisa já pertencia, antes do nascimento da obrigação, ao próprio credor.
Em Seu Art. 238 CC-02, “se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor perda, e a obrigação se resolverá, ressalvado os seus direitos até o dia da perda”.
Subsiste a regra de que a coisa perece para o dono (credor), que suportará o prejuízo, sem direito a indenização, considerando-se a ausência de culpa do devedor.
Observa-se que o legislador, não obstante houvesse imposto as consequências do prejuízo ao credor, ressalvou os seus direitos até o dia da perda. Assim, se a coisa depositada gerou frutos até a sua perda, sem atuação ou despesa do depositário, que inclusive tinha ciência de que as utilidades pertenceriam ao credor, este terá direito sobre elas até o momento da destruição fortuita da coisa principal.
Tudo o que se disse até aqui se aplica à obrigação de restituir, cujo objeto se perdeu (destruição total) sem culpa do devedor. Entretanto, em caso de simples deterioração, recebe-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização (art. 240 do CC-02).
E sobre obrigações de restituir, a coisa se perde ou deteriora por culpa do devedor?
Por obvio, se a coisa se perde por culpa do devedor, que não poderá mais restitui-la ao credor, deverá responder pelo equivalente (valor do objeto), mais perdas e danos (art. 239 do CC-02).
Se, todavia, a coisa restituível apenas se deteriora, a solução da lei é no sentido de se aplicar a mesma regra acima citada (art. 239), ou seja, a imposição ao devedor de responder pelo equivalente (valor do objeto) mais perdas e danos. Nada impede, todavia, a despeito de o Novo Código ser silente respeito, que o credor de coisa restituível, deteriorada por culpa do devedor opte por ficar com a coisa, no estado em que se encontrar, com direito a reclamar a indenização pelas perdas e danos correspondentes à deterioração. Esta, aliás, era a solução do Código revogado.
Por fim, cumpre-nos fazer referência aos melhoramentos, acréscimos e frutos experimentados pela coisa, nas obrigações de restituir.
Se tais benefícios se agregam à coisa principal, sem concurso de vontade ou despesa para o devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização (art. 241 do CC-02).
Se, todavia, tais melhoramentos ou acréscimos exigiram concurso de vontade ou despesa para o devedor, o Novo Código, seguindo orientação da Lei Civil anterior, determina que sejam aplicadas as regras atinentes ao efeitos da posse, quanto às benfeitorias realizadas (art. 242 do CC-02).
Assim, se os acréscimos traduzem benfeitorias necessárias (reforma realizada para conservação do bem – restruturação de uma viga) ou úteis (o acréscimo efetuado para facilitar a sua utilização – a abertura de uma entrada maior), o devedor de boa-fé terá direito de ser indenizado, podendo inclusive, reter a coisa restituível, até que lhe seja pago o valor devido (direito de retenção). No que tange às obras voluptuárias (aformoseamento – estátua no jardim) poderá o devedor levantá-las (retira-las), se não lhe for pago o valor devido, desde que não haja prejuízo para a coisa principal.
Estando de má-fé, o devedor só terá direito a reclamar a indenização pelos acréscimos necessários, sem possibilidade de retenção da coisa.
Quanto aos frutos, “podem ser definidos como utilidades que a coisa principal periodicamente produz, cuja percepção não diminui a sua substância (ex.: a soja, a maça, o bezerro). Se a percepção da utilidade causar a destruição total ou parcial da coisa principal, não há que se falar, tecnicamente, em frutos.
Dessa forma, se, em vez de acréscimos, melhoramentos ou benfeitorias, a coisa restituível gera frutos, deveremos perquirir o elemento anímico do devedor – a sua boa ou má-fé-, para que possamos extrair as consequências jurídicas apropriadas. Assim, enquanto estiver de boa-fé, o devedor tem direitos aos frutos percebidos. Ex.: ao comodatário, a quem se impõe a obrigação de restituir a coisa emprestada, fora reconhecido o direito, pelo comodante, de perceber os frutos das árvores que integram o imóvel, até o final do prazo contratual. Fará jus o comodatário, portanto, aos frutos colhidos, durante todo o tempo em que permaneça licitamente no imóvel, de boa-fé os frutos pendentes (ainda não destacados da coisa principal), por sua vez deverão ser restituídos, ao tempo em que cessar a boa-fé, deduzidas as despesas de produção e custeio.
Entretanto, se o devedor estiver de má fé, deverá responder por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber (percipiendos), desde o momento em que se constitui de má-fé, assistindo-lhe, todavia, direito às despesas de produção e custeio. De tal forma, se não puder restituir ao credor esses frutos, deverá indenizá-lo com o equivalente em pecúnia.

2.1.1.1    Obrigações de dar dinheiro (obrigações pecuniárias)

ALVARO VILLAÇA AZEVEDO, “o pagamento em dinheiro consiste, assim, na modalidade de execução obrigacional que importa a entrega de uma quantia de dinheiro pelo devedor ao credor, com liberação daquele. É um modo de pagamento que deve realizar-se, em princípio, em moeda corrente, no lugar do cumprimento da obrigação, onde esta deverá cumprir-se, segundo o art. 947 do CC”.
Posteriormente, o Decreto-Lei n. 857, de 1969, mantendo a obrigatoriedade do pagamento em moeda nacional, passou a admitir, todavia, posto em caráter excepcional, a utilização de moeda estrangeira nos contratos internacionais (importação e exportação, por exemplo).
Mais recentemente, o plano Real, instituído pela Lei n. 9.069, de 29 de junho de 1995, admitiu que “as operações e contratos de que tratam o Decreto-Lei n. 857, de 11 de setembro de 1969, e o art. 6º da Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994”, não estão sujeitos à obrigatoriedade de serem corrigidos pelo Íncide de preços ao Consumidor – IPCr, o que dá a entender que, nas hipóteses previstas nessas leis, a correção monetária da obrigação poderá ser feita em moeda estrangeira.
Observa-se ainda que tais obrigações pecuniárias devem observar o valor nominal da moeda.
Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 315 do Novo Código Civil: “As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes”.
Consoantes se depreende dessa regra legal, é o principio do nominalismo que regula as denominadas dívidas de dinheiro.
Sendo a dívida de dinheiro, e à luz do princípio do nominalismo, se Caio emprestou a Tício 100, para que este devolvesse a quantia em sessenta dias, a mesma quantidade de moeda deverá ser devolvida (100), mesmo que sua expressão econômica não seja mais a mesma, isto é, não seja mais suficiente para a compra dos mesmos bens que podiam ser adquiridos na época da celebração do contrato de empréstimo (mútuo).
As chamadas dividas de valor;
Estas não teriam por objeto o dinheiro em si, mas o próprio valor econômico (aquisitivo) expresso pela moeda. Na obrigação de prestar alimentos, por exemplo, o devedor é obrigado a fornecer não determinada soma em dinheiro, mas sim o que for necessário à mantença do alimentando. Observe-se, portanto, que, se o valor nominal da pensão estiver defasado, é possível a sua revisão judicial.
Pela inflação e a própria fragilidade de nossa economia, fez-se necessária, para a correção de distorções de valor nas obrigações pecuniárias, a criação de índices de atualização econômica das obrigações pecuniárias, as denominadas cláusulas de escala móvel, que poderiam ser escolhidas pelas próprias partes.
Em verdade, essa matéria, de indiscutível fundo econômico, escapa ao âmbito de estudo desta obra, mormente em se considerando a existência – ao lado da TR – de vários outros índices, todos a formarem uma verdadeira “babel”, o que nos dá a impressão de que nossa economia não é tão “estável” como se imagina. Se não, vejamos:
a)     INPC – calculado pelo IBGE (mede a variação de preços, entre os dias 1º e 30 de cada mês, produtos consumidos por famílias com renda entre 1 a 8 salários mínimos);
b)    IGP/DM – calculado pela Fundação Getúlio Vargas (mede a variação de preços, entre os dias 21 de um mês e 20 do mês de referência, de produtos consumidos por famílias com renda entre 1 e 33 salários mínimos);
c)     IGP/DI – calculado pela Fundação Getúlio Vargas (calculado por meio da ponderação do IPA – 60% -, IPC/RJ – 30% -, INCC – 10%);
d)    FIPE – calculado pelo próprio FIPE (mede a variação de preços, entre 1º e 30 de cada mês, de produtos consumidos por famílias com renda entre 1 a 30 salários mínimos).
e)     DIEESE-  calculada pelo próprio DIEESE (mede a variação de preços, entre 1º e 30 de cada mês, de produtos consumidos por famílias com renda entre 1 a 30 salários mínimos);
f)      IPCA – calculado pelo IBGE (mede a variação de preços, entre 1º e 30 de cada mês, de produtos consumidos por famílias com renda entre 1 e 40 salários mínimos).
Vale-nos advertir que a teoria da imprevisão – não poderá ser confundida com a cláusula de escala móvel. Esta decorre de uma prévia estipulação das partes contratantes para corrigir eventuais distorções econômicas em contratos exequíveis a médio ou longo prazo; aquela, por sua vez, derivada da antiga cláusula rebus sic stantibus, consiste no reconhecimento de que a ocorrência de eventos supervenientes, imprevisíveis não imputáveis às partes, com reflexos sobre a economia do contrato, poderá autorizar a sua revisão ou, até mesmo, o seu desfazimento, por princípio da equidade.
Uma das inovações positivas é a constante do art. 317 CC-02, que dá poderes ao juiz para corrigir o valor econômico do contrato, se motivos imprevisíveis, supervenientes, tornarem manifestamente desproporcional o valor da prestação devida, em cotejo com aquele pactuado ao tempo da celebração do negócio. Trata-se de aplicação específica da teoria da imprevisão, apenas para reconhecer ao juiz poderes para atualizar monetariamente a prestação contratual, uma vez que as regras genéricas da imprevisão, autorizadoras da resolução ou da revisão dos termos da própria avença, encontram-se consignadas nos arts. 478 a 780 do CC-02.
Também a previsão do art. 318 CC-02 considera “nulas as convenções de pagamento em ouro ou em outra moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional”, ressalvados os casos previstos em legislação especial, a exemplo dos contratos internacionais de importação e exportação.

2.1.2. Obrigações de dar coisa incerta

Consiste na entrega de  coisa especificada apenas pela espécie e quantidade. É o que ocorre quando o sujeito se obriga a dar duas sacas de café, por exemplo, sem determinar a qualidade (tipo A ou B).
Trata-se das chamadas obrigações genéricas.
Art. 243 do Código Civil de 2002; “A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade”.
A prestação genérica (“dar duas sacas de café”) deverá se converter em prestação determinada, quando o devedor ou o credor escolher o tipo de produto a ser entregue, no momento do pagamento (“dar duas sacas de café do tipo A”).
Assim vale esclarecer que não é o fato de ser, por exemplo, um cereal sem a qualidade correspondente que torna a coisa indeterminada, mas sim a sua falta de especificação dentro de um gênero que, ai, sim, nunca perece.
Conclui-se, pois, que, se a qualidade do café é especificada e as sacas já foram individualizadas (já foram separadas do gênero e apresentadas ao credor ou, então, são as únicas existentes no gênero), a obrigação é de dar coisa certa. Por outro lado, se, mesmo que se tenha estabelecido a qualidade do café, ainda não tiverem sido individualizados as sacas, dentro do universo do estoque ou/e produção, a obrigação será de dar coisa incerta.
Essa operação, por meio da qual se especifica a prestação, convertendo a obrigação genérica em determinada, denomina-se “concentração do débito” ou “concentração da prestação devida”.
Mas a quem caberia a escolha? Ao credor ou ao Devedor?
Por princípio, o Código Civil, em quase todas as suas normas, prefere o devedor, quando a vontade das partes não houver estipulado a quem assiste determinado direito.
Essa liberdade de escolha, todavia, não é absoluta, uma vez que o devedor não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a dar a melhor. No exemplo supramencionado, o sujeito passivo da relação obrigacional deverá, havendo mais de um tipo de café, optar por aquele de qualidade intermediária, se não tiver havido convenção em sentido contrário.
Em tais hipóteses, ao devedor impõe-se escolher a coisa pela média.
Sendo esta regra legal supletiva, que só poderá ser invocada se nada houver sido estipulado no título da obrigação.
Art. 244; “Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”.
Por óbvio, se nas obrigações de dar coisa incerta a prestação é inicialmente  indeterminada, não poderá o devedor, antes de efetuada a sua escolha – isto é, antes da concentração do débito -, alegar perda ou deterioração da cosia, ainda que por força maior ou caso fortuito (art. 246 do CC-02). O gênero, segundo tradicional entendimento, não perece jamais (genus nunquam perit). Exemplo de SILVIO VENOSA é bastante didático:
“se alguém se obriga a entregar mil sacas de farinha de trigo, continuará obrigado a tal, ainda que em seu poder não possua referida sacas, ou que parte ou o total delas se tenha perdido. Já se o devedor se tivesse obrigado a entregar uma tela de pintor famoso, a perda da coisa, sem sua culpa, resolveria a obrigação”.
 Entretanto, se o projeto de Lei n. 6.960/2002 (atual n. 276/2007) converter-se em lei, essa regra será relativizada, nos seguintes termos (art. 246): “Antes de cientificado da escolha o credor, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, salvo se se tratar de dívida genérica limitada e se extinguir toda a espécie dentro da qual a prestação esta compreendida”.
Feita a escolha, as regras que passarão a ser aplicadas serão aquelas previstas para as obrigações de dar coisa certa (Art. 245, c/c os arts. 233 a 242, do CC-02).

2.2. Obrigações de fazer

 Em tais casos, a depender da possibilidade ou não de o serviço ser prestado por terceiro, a prestação do fato poderá ser fungível ou infungível.
A obrigação de fazer será fungível quando não houver restrição negocial no sentido de que o serviço seja realizado por outrem. Assim, não obstante eu contratante a reparação do cano da cozinha com o encanador Caio, nada impede – se as circunstancias do negócio não apontarem em sentido contrário – que a execução do serviço seja feita pelo seu colega Tício. Em casos como esse, diz-se que a obrigação não foi pactuada em atenção à pessoa  do devedor.
Novo Código Civil admite a possibilidade de o fato ser executado por terceiro, havendo recusa ou mora do devedor, nos termos do seu art. 249:
“Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor manda-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste sem prejuízo da indenização cabível.
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido”.
Assim, poderá o credor, independentemente de autorização judicial, contratar terceiro para executar a tarefa, pleiteando, depois, a devida indenização, o que, se já era possível ser admitido no sistema anterior por construção doutrinária, agora se torna norma expressa.
Por outro lado, se ficar estipulado que apenas o devedor indicar no título da obrigação possa satisfazê-la, estaremos diante de uma obrigação infungível. Trata-se das chamadas obrigações personalíssimas (intuitu personae), cujo adimplemento não poderá ser realizado por qualquer pessoa, em atenção às qualidades especiais daquele que se contratou.
Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação a indenizar a outra parte pelo prejuízo causado.
Se a impossibilidade decorrer de culpa do devedor, este poderá ser condenado a indenizar a outra parte pelo prejuízo causado.
Art 248, CC-02 “Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perda e danos”.

2.2.1. Descumprimento culposo das obrigações de fazer: a sua tutela jurídica

Havendo culpa, contudo, outras considerações devem ser feitas.
Assim, pela convicção de que a liberdade humana é o valor maior na sociedade, a resolução em perdas e danos seria a única consequência para o descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer. Sendo essa visão, em nosso entendimento, é, todavia, inaceitável na atualidade.
Isso porque o vigente ordenamento jurídico brasileiro há muito vem relativizando o princípio tradicional do nemo praecise cogi ad factum, reconhecendo que a incoercibilidade da vontade humana não é um dogma infestável, desde que respeitados direitos fundamentais.
Com efeito, um bom exemplo disso é a previsão do Decreto-lei n. 58/37, com a disciplina do denominado compromisso irretratável de compra e venda,  em que se verifica um direito real de aquisição, haja vista que se obrigava o promitente-vendedor a uma prestação de fazer consistente na transferência definitiva da propriedade, uma vez pago totalmente o preço, sob pena de adjudicação compulsória.
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-09-1990) – certamente a lei mais vanguardista e tecnicamente perfeita do sistema normativo brasileiro – garante, em diversos dispositivos, o direito do consumidor á tutela especifica, inclusive do adimplemento contratual, em razão da natureza obrigacional inerente às lides individuais consumeristas.
Tão importante inovação, todavia, conforme observa FREDIE DIDIER JR., “estava restrita ás lides de consumo: as outras ainda estavam ao desabrigo, prevalecendo à vontade humana de descumprir o pactuado. A discussão acabou, entretanto, com o advento da reforma Legislativa de 1994, também chamada de dezembrada, que culminou com a modificação de mais de cem artigos do CPC, implementando a tutela especifica das obrigações, contratuais ou legais, de fazer ou não-fazer. Ampliou-se a possibilidade da mencionada modalidade de tutela de forma a alcançar o ideal chiovendiano da maior coincidência possível”.
O art. 461 do CPC serve á tutela do adimplemento contratual, seja seu conteúdo uma obrigação de fazer ou não-fazer, fungível ou infungível.
Dessa forma, faz-se mister propugnar por uma interpretação mais consentânea e lógica do art. 248 do CC-02, ou seja, tal regra somente pode ser aplicada quando não é mais possível o cumprimento da obrigação ou, não tendo o credor mais interesse na sua realização – ante o inadimplemento do devedor -, o autor da ação assim o pretender.
Se, todavia, ainda é possível cumprir-se a obrigação pactuada, deve a ordem jurídica buscar satisfazer o credor com a efetiva prestação pactuada, proporcionando, na medida do praticamente possível, que quem tem um direito receba tudo aquilo e precisamente aquilo que tem o direito de obter, e não impor indenizações equivalentes, haja vista que isso não realiza o bem da vida pretendido.
Para efetivação da tutela específica, poderá o magistrado valer-se, inclusive ex officio, da fixação de astreintes, que são justamente essa multa diárias pelo eventual não cumprimento da decisão judicial, previstas no § 4º do art. 461, bem como quaisquer outras diligências necessária para regular satisfação da pretensão, sendo a relação do §5º meramente exemplificativa, na espécie.
Para o descumprimento de obrigação de fazer quando impossível cumprimento posterior será requisitado perdas e danos. Quando o possível cumprimento posterior será utilizado tutela específica + perdas e danos (até a efetivação da tutela) ou perdas e danos (se o autor não tiver mais interesse na obrigação específica de fazer).
Porém, por força da Lei n. 10.444, de 7 de maio de 2002, também são aplicáveis às obrigações de dar coisa certa, tendo em vista a redação do novo art. 461-A do CPC, nos seguintes termos:
“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz ao conceder a tutela específica, fixara o prazo para o cumprimento da obrigação.
§1º Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
§2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.
§3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto no §§1º a 6º do art. 461.

2.3. Obrigação de não fazer

Tem por objetivo uma prestação negativa, um comportamento omissivo do devedor.
É o que ocorre quando alguém se obriga a não construir acima de determinada altura, a não instalar ponto comercial em determinado local, a não divulgar conhecimento técnico para concorrente de seu ex-empregador, a não sublocar a coisa etc. Observe-se que, em todas essas hipóteses, o devedor descumpre a obrigação ao realizar o comportamento que se obrigara a abster. Vale dizer que não serão consideradas lícitas as obrigações de não fazer que violem o princípio de ordem pública e vulnerem garantias fundamentais. Assim, a priori, não se devem reputar válidas obrigações negativas como as seguintes: de não casar, de não sair da cidade, de não transitar por determinadas ruas. Todas elas atingem, em última análise, direitos da personalidade e não são juridicamente admitidas.
Quais seriam os efeitos decorrentes do descumprimento das obrigações negativas?
Se o inadimplemento resultou de evento estranho à vontade do devedor, isto é, sem culpa sua, extingue-se a obrigação, sem perdas e danos.
“art. 250. Estingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne abster-se do ato, que se obrigou a não praticar”.
É o caso do sujeito que se obrigou a não construir um muro em seu imóvel, a fim de não prejudicar a vista panorâmica do vizinho, mas, em razão de determinação do Poder Público, que modificou a estrutura urbanística municipal, viu-se forçado a realizar a obra que se comprometera a não realizar.
Trata-se, portanto, de um descumprimento fortuito (não culposo) da obrigação de não fazer.
Opera-se, então o descumprimento culposo da obrigação de não fazer. Utilizando o exemplo supra, imagine-se que, em razão de um desentendimento qualquer, o vizinho, por espírito de vingança, resolva erguer o muro que não deveria levantar.
“Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer a sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.
A análise desse dispositivo legal nos indica que, havendo o inadimplemento culposo, o credor, além das perdas e danos, poderá lançar mão da tutela específica, assim como previsto para as obrigações de fazer, podendo, inclusive, atuar pela própria força, em caso de urgência, independentemente de autorização.

2.3.1 descumprimento culposo das obrigações de não fazer: a sua tutela jurídica

Aqui temos uma situação em que o devedor se obrigou a NÃO praticar determinada conduta, mas, por sua culpa, á realizou no plano concreto.
É o caso, por exemplo, da estipulação contratual de uma obrigação de não revelar um segredo. Uma vez tornando público o conteúdo que se queria sigiloso, não há como retirar do conhecimento da comunidade correspondente o domínio de tal saber.
Por isso, alguém poderia imaginar que tratamento legal da tutela jurídica das obrigações de não fazer deveria ser diferente da disciplina das obrigações de conduta positiva.
Ledo engano, diremos nós, explicando a utilização da expressão “aparentemente” no início dessa exposição.
De fato, da mesma forma que as obrigações de fazer, o que deve ser levado em consideração é se é possível (ou não) restituir as coisas ao statu quo ante , ou, mesmo assim, se o credor tem interesse em tal situação.
Sendo possível, e havendo interesse do credor, pode este demandar judicialmente o cumprimento da obrigação de não fazer, sem prejuízo das perdas e danos, até o desfazimento do ato que o devedor se obrigou a não fazer, tanto com base no art. 241 do CC-02, quanto no já mencionado art. 461 do CPC.
Quando ao descumprimento de obrigação de não fazer, quando impossível desfazimento posterior, requererá perdas e danos. Quando possível desfazimento posterior, será necessário tutela especifica + perdas e danos (até a efetivação da tutela), ou perdas e danos (se o autor não tiver mais interesse na obrigação d então fazer).
A imediata conversão para indenização de perdas e danos não pode mais ser invocada em qualquer caso de inexecução da obrigação, devendo ser verificado, no caso concreto, apenas se é possível, no campo fático, a realização da prestação objeto da relação obrigacional e se o credor tem efetivo interesse na sua concretização.

Bibliografia

GANGLIANO, Pablo Stolze; NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL, VOL. II: Obrigações, 9. Ed. Ver. e atual.­- São Paulo: Saraiva. 2008.







0 comentários:

Post a Comment

Dignidade Humana?

Reflexão:

Reflexão: