CLASSIFICAÇÃO BÁSICA V
1.1 Obrigações de dar.
As
obrigações de dar, que têm por objeto prestações de coisa, consistem na
atividade de dar (transferindo-se a propriedade da coisa), entregar
(transferindo-se a posse ou a detenção da coisa) ou restituir (quando o credor
recupera a posse ou a detenção da coisa entregue ao devedor).
2.1.1 Obrigações de dar coisa certa
Nesta
modalidade de obrigação, o devedor obriga-se a dar, entregar ou restituir coisa
específica, certa, determinada. E se assim, o credor não está obrigado a
receber outra coisa senão aquela descrita
no título da obrigação.
Art
313 do CC-02: “o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é
devida, ainda que mais valiosa”.
Aplica-se,
também, para as obrigações de dar coisa certa, o princípio jurídico de que o
acessório segue o principal (acessorium
sequitum principale). Dessa forma, não resultando o contrário do título ou
das circunstâncias do caso, o devedor não poderá se negar a dar ao credor aqueles
bens que, sem integrar a coisa principal, secundam-na por acessoriedade (art.
233 CC-02). Ex: obrigando-se a transferir a propriedade da casa (imóvel por
acessão artificial), estarão incluídas as benfeitorias realizadas (acessórias
da coisa principal), se o contrário não resultar do contrato ou das próprias
circunstâncias.
Em
caso de perda ou perecimento (prejuízo total), duas situações diversa, todavia,
podem ocorrer:
a) Se
a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes
da tradição (da entrega da coisa), ou pendente condição suspensiva ( o negócio
encontra-se se subordinado a um acontecimento futuro e incerto: o casamento do
devedor, por exemplo), fica resolvida a obrigação para ambas as partes,
suportando o prejuízo o proprietário da coisa que ainda não a havia alienado
(art. 234 parte inicial, do CC-02);
b) Se
se a coisa se perder, por culpa do
devedor, responderá este pelo equivalente (valor da coisa), mais perdas e
danos (art. 234, parte final, do CC-02). Neste caso, suportará a perda o
causador do dano, já que terá de indenizar a outra parte. Imagine a hipótese de
o devedor, por culpa ou dolo haver destruído o bem que devia restituir.
Em caso de deterioração (prejuízo parcial), também
duas hipóteses são previstas em lei:
a) Se
a coisa se deteriora sem culpa do
devedor, poderá o credor, a seu critério, resolver a obrigação, ou aceitar
a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu (art. 235 do CC-02).
b) Se
a coisa se deteriora por culpa do devedor,
poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado ou se acha,
com direito a reclamar, em um ou em outro caso, a indenização pelas perdas e
danos (art. 236 do CC-02).
As
obrigações de restituir;
Conforme
já foi dito, nesta modalidade de obrigação a prestação consiste na devolução da coisa recebida pelo devedor, a
exemplo daquela imposta ao depositário (devedor), que deve restituir ao
depositante (credor) aquilo que recebeu para guardar e conservar. Na mesma
situação encontram-se o locatário e o comodatário, que devem restituir ao
locador e ao comodante, respectivamente, a coisa recebida. Em todos os casos a
coisa já pertencia, antes do nascimento da obrigação, ao próprio credor.
Em
Seu Art. 238 CC-02, “se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem
culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor perda, e a
obrigação se resolverá, ressalvado os seus direitos até o dia da perda”.
Subsiste
a regra de que a coisa perece para o dono (credor), que suportará o prejuízo,
sem direito a indenização, considerando-se a ausência de culpa do devedor.
Observa-se
que o legislador, não obstante houvesse imposto as consequências do prejuízo ao
credor, ressalvou os seus direitos até o dia da perda. Assim, se a coisa
depositada gerou frutos até a sua perda, sem atuação ou despesa do depositário,
que inclusive tinha ciência de que as utilidades pertenceriam ao credor, este
terá direito sobre elas até o momento da destruição fortuita da coisa
principal.
Tudo
o que se disse até aqui se aplica à obrigação
de restituir, cujo objeto se perdeu (destruição total) sem culpa do devedor. Entretanto, em caso de simples deterioração, recebe-la-á o credor, tal qual
se ache, sem direito a indenização (art. 240 do CC-02).
E sobre obrigações de restituir, a
coisa se perde ou deteriora por culpa do devedor?
Por obvio, se a coisa se
perde por culpa do devedor, que não poderá mais restitui-la ao credor, deverá
responder pelo equivalente (valor do objeto), mais perdas e danos (art. 239 do
CC-02).
Se,
todavia, a coisa restituível apenas se deteriora, a solução da lei é no sentido
de se aplicar a mesma regra acima citada (art. 239), ou seja, a imposição ao
devedor de responder pelo equivalente (valor do objeto) mais perdas e danos.
Nada impede, todavia, a despeito de o Novo Código ser silente respeito, que o
credor de coisa restituível, deteriorada por culpa do devedor opte por ficar
com a coisa, no estado em que se encontrar, com direito a reclamar a
indenização pelas perdas e danos correspondentes à deterioração. Esta, aliás,
era a solução do Código revogado.
Por
fim, cumpre-nos fazer referência aos melhoramentos,
acréscimos e frutos experimentados pela coisa, nas obrigações de restituir.
Se
tais benefícios se agregam à coisa principal, sem concurso de vontade ou despesa para o devedor, lucrará o
credor, desobrigado de indenização (art. 241 do CC-02).
Se,
todavia, tais melhoramentos ou acréscimos exigiram
concurso de vontade ou despesa para o devedor, o Novo Código, seguindo
orientação da Lei Civil anterior, determina que sejam aplicadas as regras
atinentes ao efeitos da posse, quanto
às benfeitorias realizadas (art. 242 do CC-02).
Assim,
se os acréscimos traduzem benfeitorias necessárias
(reforma realizada para conservação do bem – restruturação de uma viga) ou
úteis (o acréscimo efetuado para facilitar a sua utilização – a abertura de uma
entrada maior), o devedor de boa-fé terá direito de ser indenizado, podendo
inclusive, reter a coisa restituível, até que lhe seja pago o valor devido
(direito de retenção). No que tange às obras voluptuárias (aformoseamento – estátua no jardim) poderá o devedor
levantá-las (retira-las), se não lhe for pago o valor devido, desde que não
haja prejuízo para a coisa principal.
Estando
de má-fé, o devedor só terá direito a reclamar a indenização pelos acréscimos
necessários, sem possibilidade de retenção da coisa.
Quanto
aos frutos, “podem ser definidos como utilidades que a coisa principal
periodicamente produz, cuja percepção não diminui a sua substância (ex.: a
soja, a maça, o bezerro). Se a percepção da utilidade causar a destruição total
ou parcial da coisa principal, não há que se falar, tecnicamente, em frutos.
Dessa
forma, se, em vez de acréscimos, melhoramentos ou benfeitorias, a coisa
restituível gera frutos, deveremos
perquirir o elemento anímico do devedor – a sua boa ou má-fé-, para que
possamos extrair as consequências jurídicas apropriadas. Assim, enquanto
estiver de boa-fé, o devedor tem direitos aos frutos percebidos. Ex.: ao
comodatário, a quem se impõe a obrigação
de restituir a coisa emprestada, fora reconhecido o direito, pelo
comodante, de perceber os frutos das árvores que integram o imóvel, até o final
do prazo contratual. Fará jus o comodatário, portanto, aos frutos colhidos,
durante todo o tempo em que permaneça licitamente no imóvel, de boa-fé os
frutos pendentes (ainda não destacados da coisa principal), por sua vez deverão
ser restituídos, ao tempo em que cessar a boa-fé, deduzidas as despesas de
produção e custeio.
Entretanto,
se o devedor estiver de má fé, deverá responder por todos os frutos colhidos e
percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber
(percipiendos), desde o momento em que se constitui de má-fé, assistindo-lhe,
todavia, direito às despesas de produção e custeio. De tal forma, se não puder
restituir ao credor esses frutos, deverá indenizá-lo com o equivalente em
pecúnia.
2.1.1.1 Obrigações de dar dinheiro (obrigações pecuniárias)
ALVARO VILLAÇA AZEVEDO, “o
pagamento em dinheiro consiste, assim, na modalidade de execução obrigacional
que importa a entrega de uma quantia de dinheiro pelo devedor ao credor, com
liberação daquele. É um modo de pagamento que deve realizar-se, em princípio,
em moeda corrente, no lugar do cumprimento da obrigação, onde esta deverá
cumprir-se, segundo o art. 947 do CC”.
Posteriormente,
o Decreto-Lei n. 857, de 1969, mantendo a obrigatoriedade do pagamento em moeda
nacional, passou a admitir, todavia, posto em caráter excepcional, a utilização
de moeda estrangeira nos contratos internacionais (importação e exportação, por
exemplo).
Mais
recentemente, o plano Real, instituído pela Lei n. 9.069, de 29 de junho de
1995, admitiu que “as operações e contratos de que tratam o Decreto-Lei n. 857,
de 11 de setembro de 1969, e o art. 6º da Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994”,
não estão sujeitos à obrigatoriedade de serem corrigidos pelo Íncide de preços
ao Consumidor – IPCr, o que dá a entender que, nas hipóteses previstas nessas
leis, a correção monetária da obrigação poderá ser feita em moeda estrangeira.
Observa-se
ainda que tais obrigações pecuniárias devem observar o valor nominal da moeda.
Nesse
sentido, aliás, dispõe o art. 315 do Novo Código Civil: “As dívidas em dinheiro
deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo
o disposto nos artigos subsequentes”.
Consoantes
se depreende dessa regra legal, é o
principio do nominalismo que regula as denominadas dívidas de dinheiro.
Sendo
a dívida de dinheiro, e à luz do princípio do nominalismo, se Caio emprestou a
Tício 100, para que este devolvesse a quantia em sessenta dias, a mesma
quantidade de moeda deverá ser devolvida (100), mesmo que sua expressão
econômica não seja mais a mesma, isto é, não seja mais suficiente para a compra
dos mesmos bens que podiam ser adquiridos na época da celebração do contrato de
empréstimo (mútuo).
As
chamadas dividas de valor;
Estas
não teriam por objeto o dinheiro em si, mas o próprio valor econômico
(aquisitivo) expresso pela moeda. Na obrigação de prestar alimentos, por
exemplo, o devedor é obrigado a fornecer não determinada soma em dinheiro, mas
sim o que for necessário à mantença do alimentando. Observe-se, portanto, que,
se o valor nominal da pensão estiver defasado, é possível a sua revisão
judicial.
Pela
inflação e a própria fragilidade de nossa economia, fez-se necessária, para a
correção de distorções de valor nas obrigações pecuniárias, a criação de
índices de atualização econômica das obrigações pecuniárias, as denominadas cláusulas de escala móvel, que poderiam ser
escolhidas pelas próprias partes.
Em
verdade, essa matéria, de indiscutível fundo econômico, escapa ao âmbito de
estudo desta obra, mormente em se considerando a existência – ao lado da TR –
de vários outros índices, todos a formarem uma verdadeira “babel”, o que nos dá
a impressão de que nossa economia não é tão “estável” como se imagina. Se não,
vejamos:
a) INPC
– calculado pelo IBGE (mede a variação de preços, entre os dias 1º e 30 de cada
mês, produtos consumidos por famílias com renda entre 1 a 8 salários mínimos);
b) IGP/DM
– calculado pela Fundação Getúlio Vargas (mede a variação de preços, entre os
dias 21 de um mês e 20 do mês de referência, de produtos consumidos por
famílias com renda entre 1 e 33 salários mínimos);
c) IGP/DI
– calculado pela Fundação Getúlio Vargas (calculado por meio da ponderação do
IPA – 60% -, IPC/RJ – 30% -, INCC – 10%);
d) FIPE
– calculado pelo próprio FIPE (mede a variação de preços, entre 1º e 30 de cada
mês, de produtos consumidos por famílias com renda entre 1 a 30 salários
mínimos).
e) DIEESE- calculada pelo próprio DIEESE (mede a
variação de preços, entre 1º e 30 de cada mês, de produtos consumidos por
famílias com renda entre 1 a 30 salários mínimos);
f) IPCA
– calculado pelo IBGE (mede a variação de preços, entre 1º e 30 de cada mês, de
produtos consumidos por famílias com renda entre 1 e 40 salários mínimos).
Vale-nos
advertir que a teoria da imprevisão – não poderá ser confundida com a cláusula
de escala móvel. Esta decorre de uma prévia
estipulação das partes contratantes para corrigir eventuais distorções
econômicas em contratos exequíveis a médio ou longo prazo; aquela, por sua vez,
derivada da antiga cláusula rebus sic
stantibus, consiste no reconhecimento de que a ocorrência de eventos supervenientes, imprevisíveis não imputáveis às
partes, com reflexos sobre a economia do contrato, poderá autorizar a sua
revisão ou, até mesmo, o seu desfazimento, por princípio da equidade.
Uma
das inovações positivas é a constante do art. 317 CC-02, que dá poderes ao juiz
para corrigir o valor econômico do contrato, se motivos imprevisíveis, supervenientes, tornarem manifestamente
desproporcional o valor da prestação devida, em cotejo com aquele pactuado ao
tempo da celebração do negócio. Trata-se de aplicação específica da teoria
da imprevisão, apenas para reconhecer ao juiz poderes para atualizar monetariamente a prestação contratual, uma vez que as
regras genéricas da imprevisão, autorizadoras da resolução ou da revisão dos termos da própria avença, encontram-se
consignadas nos arts. 478 a 780 do CC-02.
Também
a previsão do art. 318 CC-02 considera “nulas as convenções de pagamento em
ouro ou em outra moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o
valor desta e o da moeda nacional”, ressalvados os casos previstos em
legislação especial, a exemplo dos contratos internacionais de importação e
exportação.
2.1.2.
Obrigações de dar coisa incerta
Consiste
na entrega de coisa especificada apenas
pela espécie e quantidade. É o que ocorre quando o sujeito se obriga a dar duas
sacas de café, por exemplo, sem determinar a qualidade (tipo A ou B).
Trata-se
das chamadas obrigações genéricas.
Art.
243 do Código Civil de 2002; “A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo
gênero e pela quantidade”.
A
prestação genérica (“dar duas sacas de café”) deverá se converter em prestação
determinada, quando o devedor ou o credor escolher o tipo de produto a ser
entregue, no momento do pagamento (“dar duas sacas de café do tipo A”).
Assim
vale esclarecer que não é o fato de ser, por exemplo, um cereal sem a qualidade
correspondente que torna a coisa indeterminada, mas sim a sua falta de
especificação dentro de um gênero que, ai, sim, nunca perece.
Conclui-se,
pois, que, se a qualidade do café é especificada e as sacas já foram
individualizadas (já foram separadas do gênero e apresentadas ao credor ou,
então, são as únicas existentes no gênero), a obrigação é de dar coisa certa.
Por outro lado, se, mesmo que se tenha estabelecido a qualidade do café, ainda
não tiverem sido individualizados as sacas, dentro do universo do estoque ou/e
produção, a obrigação será de dar coisa incerta.
Essa
operação, por meio da qual se especifica a prestação, convertendo a obrigação
genérica em determinada, denomina-se “concentração do débito” ou “concentração
da prestação devida”.
Mas
a quem caberia a escolha? Ao credor ou ao Devedor?
Por
princípio, o Código Civil, em quase todas as suas normas, prefere o devedor, quando a vontade das partes não houver
estipulado a quem assiste determinado direito.
Essa
liberdade de escolha, todavia, não é absoluta, uma vez que o devedor não poderá dar a coisa pior, nem será
obrigado a dar a melhor. No exemplo supramencionado, o sujeito passivo da
relação obrigacional deverá, havendo mais de um tipo de café, optar por aquele
de qualidade intermediária, se não tiver havido convenção em sentido contrário.
Em
tais hipóteses, ao devedor impõe-se escolher a coisa pela média.
Sendo
esta regra legal supletiva, que só poderá ser invocada se nada houver sido
estipulado no título da obrigação.
Art.
244; “Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence
ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá
dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”.
Por
óbvio, se nas obrigações de dar coisa
incerta a prestação é inicialmente indeterminada, não poderá o devedor,
antes de efetuada a sua escolha –
isto é, antes da concentração do débito
-, alegar perda ou deterioração da cosia, ainda que por força maior ou caso
fortuito (art. 246 do CC-02). O gênero, segundo tradicional entendimento, não
perece jamais (genus nunquam perit). Exemplo
de SILVIO VENOSA é bastante didático:
“se
alguém se obriga a entregar mil sacas de farinha de trigo, continuará obrigado
a tal, ainda que em seu poder não possua referida sacas, ou que parte ou o
total delas se tenha perdido. Já se o devedor se tivesse obrigado a entregar
uma tela de pintor famoso, a perda da coisa, sem sua culpa, resolveria a
obrigação”.
Entretanto, se o projeto de Lei n. 6.960/2002
(atual n. 276/2007) converter-se em lei, essa regra será relativizada, nos
seguintes termos (art. 246): “Antes de cientificado da escolha o credor, não
poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força
maior ou caso fortuito, salvo se se
tratar de dívida genérica limitada e se extinguir toda a espécie dentro da qual
a prestação esta compreendida”.
Feita
a escolha, as regras que passarão a ser aplicadas serão aquelas previstas para
as obrigações de dar coisa certa (Art.
245, c/c os arts. 233 a 242, do CC-02).
2.2.
Obrigações
de fazer
Em tais casos, a depender
da possibilidade ou não de o serviço ser prestado por terceiro, a prestação do
fato poderá ser fungível ou infungível.
A
obrigação de fazer será fungível
quando não houver restrição negocial no sentido de que o serviço seja realizado
por outrem. Assim, não obstante eu contratante a reparação do cano da cozinha
com o encanador Caio, nada impede – se as circunstancias do negócio não
apontarem em sentido contrário – que a execução do serviço seja feita pelo seu
colega Tício. Em casos como esse, diz-se que a obrigação não foi pactuada em
atenção à pessoa do devedor.
Novo
Código Civil admite a possibilidade de o fato ser executado por terceiro, havendo recusa ou mora do devedor, nos
termos do seu art. 249:
“Art.
249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor manda-lo
executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste sem prejuízo da
indenização cabível.
Parágrafo
único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização
judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido”.
Assim,
poderá o credor, independentemente de autorização judicial, contratar terceiro
para executar a tarefa, pleiteando, depois, a devida indenização, o que, se já
era possível ser admitido no sistema anterior por construção doutrinária, agora
se torna norma expressa.
Por
outro lado, se ficar estipulado que apenas o devedor indicar no título da
obrigação possa satisfazê-la, estaremos diante de uma obrigação infungível. Trata-se das chamadas obrigações personalíssimas (intuitu
personae), cujo adimplemento não poderá ser realizado por qualquer pessoa,
em atenção às qualidades especiais daquele que se contratou.
Se
a prestação do fato tornar-se impossível sem
culpa do devedor, resolve-se a obrigação a indenizar a outra parte pelo
prejuízo causado.
Se
a impossibilidade decorrer de culpa do
devedor, este poderá ser condenado a indenizar a outra parte pelo prejuízo
causado.
Art
248, CC-02 “Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perda e
danos”.
2.2.1.
Descumprimento culposo das obrigações de
fazer: a sua tutela jurídica
Havendo
culpa, contudo, outras considerações devem ser feitas.
Assim,
pela convicção de que a liberdade humana é o valor maior na sociedade, a
resolução em perdas e danos seria a única consequência para o descumprimento
das obrigações de fazer ou não fazer. Sendo essa visão, em nosso entendimento,
é, todavia, inaceitável na atualidade.
Isso
porque o vigente ordenamento jurídico brasileiro há muito vem relativizando o
princípio tradicional do nemo praecise
cogi ad factum, reconhecendo que a incoercibilidade da vontade humana não é
um dogma infestável, desde que
respeitados direitos fundamentais.
Com
efeito, um bom exemplo disso é a previsão do Decreto-lei n. 58/37, com a
disciplina do denominado compromisso irretratável de compra e venda, em que se verifica um direito real de
aquisição, haja vista que se obrigava o promitente-vendedor a uma prestação de
fazer consistente na transferência definitiva da propriedade, uma vez pago
totalmente o preço, sob pena de adjudicação compulsória.
Por
outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-09-1990) –
certamente a lei mais vanguardista e tecnicamente perfeita do sistema normativo
brasileiro – garante, em diversos dispositivos, o direito do consumidor á tutela
especifica, inclusive do adimplemento contratual, em razão da natureza
obrigacional inerente às lides individuais consumeristas.
Tão
importante inovação, todavia, conforme observa FREDIE DIDIER JR., “estava
restrita ás lides de consumo: as outras ainda estavam ao desabrigo,
prevalecendo à vontade humana de descumprir o pactuado. A discussão acabou,
entretanto, com o advento da reforma Legislativa de 1994, também chamada de
dezembrada, que culminou com a modificação de mais de cem artigos do CPC,
implementando a tutela especifica das obrigações, contratuais ou legais, de
fazer ou não-fazer. Ampliou-se a possibilidade da mencionada modalidade de
tutela de forma a alcançar o ideal chiovendiano da maior coincidência
possível”.
O
art. 461 do CPC serve á tutela do adimplemento contratual, seja seu conteúdo
uma obrigação de fazer ou não-fazer, fungível ou infungível.
Dessa
forma, faz-se mister propugnar por uma interpretação mais consentânea e lógica
do art. 248 do CC-02, ou seja, tal regra somente pode ser aplicada quando não é
mais possível o cumprimento da obrigação ou, não tendo o credor mais interesse
na sua realização – ante o inadimplemento do devedor -, o autor da ação assim o
pretender.
Se,
todavia, ainda é possível cumprir-se a obrigação pactuada, deve a ordem
jurídica buscar satisfazer o credor com a efetiva prestação pactuada,
proporcionando, na medida do praticamente
possível, que quem tem um direito receba tudo aquilo e precisamente aquilo que
tem o direito de obter, e não impor indenizações equivalentes, haja vista
que isso não realiza o bem da vida pretendido.
Para
efetivação da tutela específica, poderá o magistrado valer-se, inclusive ex
officio, da fixação de astreintes,
que são justamente essa multa diárias pelo eventual não cumprimento da decisão
judicial, previstas no § 4º do art. 461, bem como quaisquer outras diligências
necessária para regular satisfação da pretensão, sendo a relação do §5º
meramente exemplificativa, na espécie.
Para
o descumprimento de obrigação de fazer quando impossível cumprimento posterior
será requisitado perdas e danos. Quando o possível cumprimento posterior será
utilizado tutela específica + perdas e danos (até a efetivação da tutela) ou
perdas e danos (se o autor não tiver mais interesse na obrigação específica de
fazer).
Porém,
por força da Lei n. 10.444, de 7 de maio de 2002, também são aplicáveis às
obrigações de dar coisa certa, tendo em vista a redação do novo art. 461-A do
CPC, nos seguintes termos:
“Art.
461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz ao conceder a
tutela específica, fixara o prazo para o cumprimento da obrigação.
§1º
Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor
a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha cabendo ao
devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
§2º
Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor
mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse conforme se tratar de coisa
móvel ou imóvel.
§3º
Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto no §§1º a 6º do art. 461.
2.3.
Obrigação de não fazer
Tem
por objetivo uma prestação negativa, um comportamento omissivo do devedor.
É
o que ocorre quando alguém se obriga a não construir acima de determinada
altura, a não instalar ponto comercial em determinado local, a não divulgar
conhecimento técnico para concorrente de seu ex-empregador, a não sublocar a
coisa etc. Observe-se que, em todas essas hipóteses, o devedor descumpre a
obrigação ao realizar o comportamento que se obrigara a abster. Vale dizer que
não serão consideradas lícitas as
obrigações de não fazer que violem o princípio de ordem pública e vulnerem
garantias fundamentais. Assim, a priori,
não se devem reputar válidas obrigações negativas como as seguintes: de não
casar, de não sair da cidade, de não transitar por determinadas ruas. Todas
elas atingem, em última análise, direitos da personalidade e não são
juridicamente admitidas.
Quais
seriam os efeitos decorrentes do descumprimento das obrigações negativas?
Se
o inadimplemento resultou de evento estranho à vontade do devedor, isto é, sem
culpa sua, extingue-se a obrigação, sem perdas e danos.
“art.
250. Estingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se
lhe torne abster-se do ato, que se obrigou a não praticar”.
É
o caso do sujeito que se obrigou a não construir um muro em seu imóvel, a fim
de não prejudicar a vista panorâmica do vizinho, mas, em razão de determinação
do Poder Público, que modificou a estrutura urbanística municipal, viu-se
forçado a realizar a obra que se comprometera a não realizar.
Trata-se,
portanto, de um descumprimento fortuito
(não culposo) da obrigação de não fazer.
Opera-se,
então o descumprimento culposo da
obrigação de não fazer. Utilizando o exemplo supra, imagine-se que, em razão de um desentendimento qualquer, o
vizinho, por espírito de vingança, resolva erguer o muro que não deveria
levantar.
“Art.
251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode
exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer a sua custa, ressarcindo o
culpado perdas e danos.
Parágrafo
único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer,
independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento
devido.
A
análise desse dispositivo legal nos indica que, havendo o inadimplemento
culposo, o credor, além das perdas e danos, poderá lançar mão da tutela
específica, assim como previsto para as obrigações de fazer, podendo,
inclusive, atuar pela própria força, em caso de urgência, independentemente de
autorização.
2.3.1
descumprimento
culposo das obrigações de não fazer: a sua tutela jurídica
Aqui
temos uma situação em que o devedor se obrigou a NÃO praticar determinada conduta,
mas, por sua culpa, á realizou no plano concreto.
É
o caso, por exemplo, da estipulação contratual de uma obrigação de não revelar
um segredo. Uma vez tornando público o conteúdo que se queria sigiloso, não há
como retirar do conhecimento da comunidade correspondente o domínio de tal
saber.
Por
isso, alguém poderia imaginar que tratamento legal da tutela jurídica das
obrigações de não fazer deveria ser diferente da disciplina das obrigações de
conduta positiva.
Ledo
engano, diremos nós, explicando a utilização da expressão “aparentemente” no
início dessa exposição.
De
fato, da mesma forma que as obrigações de fazer, o que deve ser levado em
consideração é se é possível (ou não) restituir as coisas ao statu quo ante , ou, mesmo assim, se o
credor tem interesse em tal situação.
Sendo
possível, e havendo interesse do credor, pode este demandar judicialmente o
cumprimento da obrigação de não fazer, sem prejuízo das perdas e danos, até o
desfazimento do ato que o devedor se obrigou a não fazer, tanto com base no
art. 241 do CC-02, quanto no já mencionado art. 461 do CPC.
Quando
ao descumprimento de obrigação de não fazer, quando impossível desfazimento
posterior, requererá perdas e danos. Quando possível desfazimento posterior,
será necessário tutela especifica + perdas e danos (até a efetivação da tutela),
ou perdas e danos (se o autor não tiver mais interesse na obrigação d então
fazer).
A
imediata conversão para indenização de perdas e danos não pode mais ser
invocada em qualquer caso de inexecução da obrigação, devendo ser verificado,
no caso concreto, apenas se é possível, no campo fático, a realização da
prestação objeto da relação obrigacional e se o credor tem efetivo interesse na
sua concretização.
Bibliografia
GANGLIANO, Pablo Stolze; NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL, VOL. II: Obrigações, 9. Ed. Ver. e
atual.- São Paulo: Saraiva. 2008.
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