OBJETO DA OBRIGAÇÃO – A PRESTAÇÃO IV
1. CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
Fundamentalmente,
a prestação – entendida como a atividade
do devedor direcionada à satisfação do crédito – poderá ser positiva (dar,
fazer) ou negativa (não fazer). Por esta mesma razão, as obrigações também são subdivididas em positivas e negativas.
Em
regra, o direito obrigacional está calcado na idéia de patrimonialidade, uma
vez que os bens e direitos indisponíveis – a exemplo dos direitos da
personalidade em geral (honra, imagem, segredo, vida privada, liberdade etc.) – escapam de seu âmbito
de atuação normativa. Aliás, é bom que se diga que o dever geral de respeito a esses direitos não traduzem uma prestação
patrimonial devida a um credor.
Assim,
não se pode reconhecer como válidas as relações obrigacionais que tenham por
objeto tais direitos personalíssimos.
Ninguém
imagina, por exemplo, que uma parte, por meio de um contrato de cessão,
pretenda alienar a sua honra, ficando o devedor pessoalmente vinculado a
cumprir esta prestação. Para além da própria impossibilidade jurídica do objeto
da obrigação (porque está fora do
comércio jurídico), a ausência de economicidade (patrimonialidade) da honra já prejudicaria o
reconhecimento existência e validade jurídica da relação obrigacional (e da
própria prestação) travada entre o seu titular e um eventual interessado em sua
aquisição.
Fora
do campo desses direitos da personalidade, prestação há, entretanto, que não
são economicamente mensuráveis,
embora constituam, inequivocadamente, objeto de uma obrigação. É o caso, por
exemplo, de alguém se obrigar, pro meio de um contrato, a não ligar o seu
aparelho de som, para não prejudicar o seu vizinho. A prestação, no caso, não é
marcada pela economicidade, e, nem por isso, se nega a existência de uma
relação obrigacional. Claro que a prestação, de per si, não tem um contéudo
econômico, mas a disciplina, no caso do inadimplemento, deverá tê-lo, seja na
tutela específica, seja na eventual apuração das perdas e danos.
Assim,
fixemos a premissa de que, em geral, as
prestações devem ser patrimonialmente apreciáveis, embora, em algumas
situações, esta característica possa não existir.
PAULO
LÔBO, que , com propriedade, invocando o pensamento de PONTES DE MIRANDA,
pontifica:
“...Pontes
de Miranda entende que se a prestação é lícita, não se pode dizer que não há
obrigação se não é suscetível de valorização econômica, como na hipótese de se
enterrar o morto segundo o que ele, em vida, estabelecera, ou estipularam os descendentes
ou amigos. Do mesmo, modo, estabelece o
art. 398 do Código Civil português que a prestação não necessita de ter valor
pecuniário; mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteção
legal”.
2. CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DA PRESTAÇÃO
A
Prestação – objeto direito ou imediato da relação obrigacional – compreende o
conjunto de ações, comissivas (positiva) ou omissivas (negativas), empreendidas
pelo devedor para a satisfação do crédito. Assim, quando dá ao credor a quantia devida, ou realizada a obra prometida, o
devedor esta cumprindo a sua prestação, ou, em outras palavras, adimplindo a
obrigação pactuada.
Quando
negativa a prestação, desta forma, sua prestação consiste em uma abstenção juridicamente relevante, um não fazer em benefício do credor. Tal
caso ocorre no caso de alguém se obrigar, contratualmente, a não construir
acima de determinada altura, impedindo a visão panorâmica de seu vizinho.
Independente de este contrato estar registrado e constituir um direito real de servidão, o fato é que o
sujeito assume uma obrigação (prestação) negativa, de não realizar determinada
atividade. Neste caso, o devedor descumpre a prestação ao realizar a atividade
que se obrigara a não fazer.
Segundo
ANTUNES VARELA:
“tendo
principalmente em vista as obrigações com prestação de coisas, os autores costumam
distinguir entre o objeto imediato e o objeto mediato da obrigação. O primeiro
consiste na atividade devida (na entrega da coisa, na cedência dela, na sua
restituição etc.); o segundo, na própria coisa, em si mesma considerada, ou
seja, no objeto da prestação”.
Conforme
já mencionamos, o objeto indireto ou
mediato da obrigação é o próprio bem
da vida posto em circulação jurídica. Cuida-se, em outras palavras, da
coisa, em si considerada, de interesse do credor. Assim, no caso da obrigação
imposta ao mutuário (aquele que tomou um empréstimo), o seu objeto direto ou
imediato é a prestação (a sua atividade de dar); ao passo que o objeto indireto
ou mediato da obrigação pactuada é o próprio bem da vida que se pretende obter,
a utilidade material que se vai transferir (o dinheiro).
A
prestação, portanto, para ser considerada válida, deverá ser lícita, possível, determinável.
E
são exatamente esses “caracteres”, que imprimem validade à prestação, que
iremos analisar nos próximos tópicos.
2.1 Licitude
A
licitude da prestação implica o respeito aos limites impostos pelo direito e
pela moral. Ninguém defenderá, por exemplo, a validade de uma prestação que
imponha ao devedor cometer um crime (matar, alguém, roubar...) ou realizar
favores de ordem sexual.
Tais
prestações ilícitas, repugnariam a consciência jurídica e o padrão de moralidade média observado e exigido pela
sociedade.
ORLANDO
GOMES, citando TRABUCCHI, visualizou diferença entre a prestação juridicamente impossível e a prestação ilícita, nos
seguintes termos: a primeira é aquela simplesmente não admitida pela lei; a
segunda, por sua vez, além de não ser admitida, constitui ato punível. E
exemplifica: a alienação do Fórum romano
– prestação juridicamente impossível, e a venda de um pacote de notas falsas – prestação ilícita.
2.2 Possibilidade
A
prestação, para que seja considerada viável, deverá ser física e juridicamente possível.
A
prestação é considerada fisicamente
impossível quando é realizável, segundo as leis da natureza. Imagine a
hipótese de o sujeito, por meio de m contrato, obrigar-se a pavimentar o solo
da lua. Note-se que a impossibilidade de prestação confunde-se com o próprio
objeto do negócio jurídico que deu causa à relação obrigacional (contrato).
A impossibilidade jurídica, por sua vez,
consoante já noticiamos, é conceito que, quanto aos seus efeitos práticos,
confunde-se com a própria ilicitude da prestação. A prestação juridicamente
impossível é vedada pelo ordenamento jurídico, a exemplo da hipótese em que o
devedor se obriga a alienar m bem público de uso comum do povo, ou transferir a
herança de pessoa viva.
Para
considerar inválida (nula) toda obrigação, a prestação deverá ser inteiramente
irrealizável, por quem que seja. Se impossibilidade for parcial, o credor
poderá (a seu critério) aceitar o cumprimento parcial da obrigação, inclusive
por terceiro (se não for personalíssima), a expensas do devedor.
Impossibilidade
pode depender do momento e sua ocorrência, poderá ser:
a) Originária;
b) Superveniente;
Impossibilidade originária
ocorre ao tempo da formação da própria relação jurídica obrigacional. Neste
caso, como a nulidade macula a própria causa genética da obrigação (em regra, o
negócio jurídico), a obrigação não prosperará, devendo ser invalidade.
Ressalve-se,
toda via, a hipótese de o negócio jurídico (fonte da obrigação) estar
subordinada a uma condição suspensiva e a impossibilidade de a obrigação
nascente ser sanada antes do implemento da referida conditio. Neste caso, a relação obrigacional subsistirá.
Impossibilidade superveniente, por
sua vez, é posterior à formação da relação obrigacional. Nesta hipótese, tanto
poderá haver o aproveitamento parcial da prestação (em sua parte não
inutilizada) como a obrigação poderá ser integralmente extinta.
A questão que ora se propõe é
a dos reflexos que podem decorrer, para as partes, da impossibilidade,
originária ou superveniente, das prestações colocadas sob alternativa ou opção
de escolha (GONÇALVES; 2011).
Dispõe
o art. 253 do Código Civil:
“Se
uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ouse tornada
inexequível, subsistirá o débito quanto à outra”.
Prevê-se,
nesse caso, a hipótese da impossibilidade originária, ou da impossibilidade
superveniente, de uma das prestações, por causa não im-putável a nenhuma das
partes. Cuida-se de impossibilidade material, decorrente, por exemplo,
do fato de não mais se fabricar uma das coisas que o devedor se obrigou a
entregar, ou de uma delas ser um imóvel que foi desapropriado. A obrigação,
nesse caso, concentra-se automaticamente, independentemente da vontade das
partes, na prestação remanescente, deixando de ser complexa para se tornar
simples. Se a impossibilidade é jurídica, por ilícito
um dos objetos (praticar um crime, p. ex.), toda a obrigação fica
contaminada de nulidade, sendo inexigíveis ambas as prestações.
Se uma delas, desde o momento da
celebração da avença, não puder ser cumprida em razão de impossibilidade
física, será alternativa apenas na aparência, constituindo, na verdade, uma
obrigação simples (GONÇALVES;
2011).
Quando
a impossibilidade de uma das prestações é superveniente
e inexiste culpa do devedor, dá-se a
concentração da dívida na outra, ou nas outras. Assim, por exemplo, se alguém
se obriga a entregar um veículo ou um animal, e este último vem a morrer
depois de atingido por um raio, concentra-se o débito no veículo. Mesmo que o
perecimento decorra de culpa do devedor, competindo a ele a escolha,
poderá concentrá-la na prestação remanescente (GONÇALVES; 2011).
Se a
impossibilidade for de todas as prestações, sem culpa do devedor, “extinguir-se-á a obrigação”,
por falta de objeto, sem ônus para este (CC art. 256). A solução é a mesma já
analisada a respeito das obrigações de dar, fazer ou não fazer:
a obrigação se extingue, pura e simplesmente. Se houver culpa do devedor,
cabendo-lhe a escolha, ficará obrigado “a pagar o valor da que por
último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar”
(CC, art. 254). Isto porque, com o perecimento do primeiro objeto,
concentrou-se o débito no que por último pereceu (GONÇALVES; 2011).
Mas,
se a escolha couber ao credor, pode este exigir o valor de
qualquer das prestações (e não somente da que por último pereceu, pois a
escolha
é sua), além das perdas e danos (GONÇALVES; 2011).
Assevera
SILVIO RODRIGUES que a solução da lei é extremamente lógica, pois o credor
tinha a legítima expectativa de eleger qualquer das prestações e, se todas
pereceram, o mínimo que se lhe pode deferir é o direito de pleitear o valor de
qualquer delas, mais a indenização pelo prejuízo experimentado pelo ato
censurável do devedor, que sofre apenas as consequências de seu comportamento
culposo (GONÇALVES;
2011).
Se
somente uma das prestações se tornar impossível por culpa do devedor,
cabendo ao credor a escolha, terá este direito de exigir ou a prestação subsistente
ou o valor da outra, com perdas e danos (CC art. 255). Neste caso, o
credor não é obrigado a ficar com o objeto remanescente, pois a escolha era sua.
Pode dizer que pretendia escolher justamente o que pereceu, optando por exigir
seu valor, mais as perdas e danos. No exemplo supra, pode alegar,
por exemplo, que não tem onde guardar o animal, se este for o
remanescente, e exigir o valor do veículo que pereceu, mais perdas e danos (GONÇALVES; 2011).
2.3
Determinabilidade
Toda
prestação, para valer e ser realizável, deverá conter elementos mínimos de
identificação e individualização (prestação deve ser lícita, possível, deverá ser determinada,
ou, ao menos, determinável).
Determinada é
aquela já especificada, certa, individualizada. Ex: “obrigo-me a transferir propriedade de uma casa, situada
na rua Oliveiras, s/n, cuja área total é de 100 metros quadrados...”.
note-se que, neste caso, houve inteira descrição da prestação que se pretende
realizar.
Prestação determinável, por
sua vez, é aquela ainda não especificada, mas que contém elementos mínimos de
individualização.
É
objeto das chamadas obrigações genéricas.
Para
o seu cumprimento, no momento de realiza-la, o devedor ou o credor deverá
especificar o objeto da obrigação, convertendo-a em prestação certa e
determinada.
Assim,
quando o sujeito obriga a dar coisa incerta (obrigação genérica) – duas sacas
de café, por exemplo, sem especificar a qualidade (tipo A ou B) - no momento de
cumprir a obrigação, o devedor ou credor (a depender do contrato ou da própria
lei) deverá especificar a prestação, individualizando-a. Esta operação de
certificação da coisa, por meio do qual se especifica a prestação, convertendo
a obrigação genérica em determinada, denomina-se “concentração do débito”
ou “concentração
da prestação devida”.
3.
PRINCIPAIS
MODALIDADES DE PRESTAÇÕES
Modalidades
mais importantes de prestação, facilmente encontráveis na vida social, e de
indiscutível importância para o nosso estudo, a saber;
a) Prestação
de fato (próprio ou de terceiro);
b) Prestação
de coisa (atual e futura);
c) Prestação
instantânea e contínua.
A
própria atividade do devedor (prestação de fato próprio), portanto, integra e
preenche o conteúdo do crédito exigível, não obstante, em hipótese mais rara, a
prestação possa ser de fato de terceiro: “A, dono de um posto de combustíveis,
promete que os futuros (e eventuais) adquirentes do posto manterão o direito de
exclusividade concedido à companhia fornecedora; B, casado, obriga-se a vender
certo prédio a C, prometendo que a sua mulher dará o consentimento necessário à
validade da venda”. Nesses, casos,
fala-se em prestação de fato de terceiro,
somente possível se a obrigação não for personalíssima (intuitu personae).
Já
as prestações de coisa consistem na atividade de dar (transferindo-se a propriedade
da coisa), entregar (transferindo-se a posso ou a detenção da coisa) ou
restituir (quando o credor recupera a posse ou a detenção da coisa entregue ao
devedor).
Assim,
no contrato de mútuo, impõe-se ao mutuante dar a quantia emprestada ao
mutuário, para que este possa utilizá-la. Da mesma forma, para se constituir o
penhor, além do acordo de vontades, impõe-se a entrega da coisa ao credor,
ressalvada a hipótese de haver sido pactuada a cláusula constituti. Finalmente, também há prestação de coisa quando o
depositário restitui ao depositante a coisa entregue para ser guardada.
No
que tange ainda ás obrigações de dar, vale lembrar que, diferentemente do
direito francês, em que o contrato, de per si, tem o condão de operar a
transferência do domínio (negócio jurídico de efeitos reais), em nosso direito, seguindo a vestuta tradição do sistema
romano, exige-se, além do titulo (em regra, o contrato), uma solenidade de
transferência (modo).
Esta
solenidade, pois, traduz-se em uma atividade de dar: é a tradição, para os bens
móveis; e o registro, para os
imóveis. Embora nesse último caso não se visualize a entrega material da coisa
– pela própria impossibilidade de fazê-lo, já que se trata de bem imóvel (uma
fazenda, por exemplo) -. O fato é que somente o registro consubstancia a transferência da propriedade imobiliária.
Vale lembrar, ainda, a possibilidade de o objeto da obrigação consistir em
prestação de coisa futura. Em regra, a prestação é sempre existente e atual.
Todavia, nada impede que o devedor obrigue-se a entregar coisa futura, a
exemplo do agricultor que se compromete a vender toda a produção de cana da sua
próxima colheita.
A
distinção entre as prestações de fato e de coisa, todavia, nem sempre é fácil
de ser realizada. Na empreitada mista, por exemplo, em que o empreiteiro
obriga-se a empregar seus materiais (prestação de dar) e a realizar a obra
(prestação de fazer), as duas formas de atividade do devedor encontram-se
interpenetradas, não podendo o intérprete reduzir a hipótese a apenas uma das categorias.
Se a empreitada, todavia, for unicamente de lavor, participando o empreiteiro
apenas com a sua atividade, estar-se-á diante de uma simples prestação de fato.
Quanto
às prestações instantâneas e contínuas.
As
primeiras são as que se realizam em um só ato, como a obrigação de pagar
determinado valor à vista. As continuas, por sua vez, realizam-se ao longo do
tempo, a exemplo da obrigação de não construir acima de determinada altura, ou
em prestações periódicas, como no pagamento parcelado ou a prazo.
Bibliografia
GONÇALVES,
Carlos Roberto; DIREITO CIVIL
BRASILEIRO; Teoria Geral das Obrigações, 8º edição, São Paulo – SP, Saraiva
2011.
GANGLIANO, Pablo Stolze; NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL, VOL. II: Obrigações, 9. Ed. Ver. e
atual.- São Paulo: Saraiva. 2008.
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